Convenção do Conselho da
Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência
Doméstica
A Convenção de
Istambul, que entrou em vigor no dia 1 de Agosto de 2014, coloca a Portugal
desafios de uma abordagem holística do seu quadro normativo, mas é também uma
oportunidade de comprometimento da sociedade, do Estado e dos/as parlamentares
na sua implementação e monitorização.
A violência
doméstica é uma realidade que atinge particularmente as mulheres, e a violência
contra as mulheres tem como fundamento uma sociedade patriarcal que discrimina
e educa para a manutenção de referenciais que mantêm as desigualdades e
discriminações estruturais. A legislação portuguesa ainda não considera a
violência de género, quedando-se na violência doméstica de forma indiferenciada
e, por isso mesmo, também discriminando, não contribuindo para um julgamento e
censura baseados nas desigualdades de género.
Muitas mulheres
vítimas do crime de violência doméstica não sentem, nos seus quotidianos, o
impacto positivo dos avanços ao nível da legislação e das práticas, persistindo
um sentimento de revitimação, de resposta desadequada ou extemporânea e de
insegurança persistente.
Ora, o quadro
normativo e as políticas só são úteis quando servem as pessoas. Este é o
desafio que mais uma vez se encontra colocado com a presente Convenção.
A Convenção de
Istambul é, pois, um momento de reforço do nosso referencial em termos de
sistematização de novos ilícitos penais e constitui, sem dúvida, um marco conceptual na explicitação da
violência contra as mulheres como integrando a violência de género,
distinguindo-a e diferenciando-a da noção de violência doméstica, conceitos que
em Portugal a lei não distingue.
Em nosso
entender a Convenção de Istambul coloca, em síntese, os seguintes desafios:
- conceptualização
da violência de género contra as mulheres como expressão das discriminações de
género e como violação de direitos humanos;
- enquadrar distintamente a violência
de género contra as mulheres e a violência doméstica;
- reconhecer e valorizar o
papel, saberes e competências das organizações de mulheres;
- identificar as
diversas formas de violência de género contra as mulheres, nomeando-as, e
demandando os Estados, no dever da sua previsão e estatuição;
- enfatizar a
necessidade de medidas de protecção e apoio às vítimas das diversas formas de
violência e de forma integrada e articulada;
- acentuar a necessidade da
prevenção como motor da conscientização para a mudança, com especial enfoque
para a prevenção primária, e de forma transversal;
- prever a integração e
articulação das políticas públicas e da acção e recursos disponíveis ou a
criar, de forma holística, prevendo a participação dos parlamentos e um sistema
de monitorização, capaz de avaliar o impacto das medidas propostas e a
diferentes níveis: prevenção; protecção; punição e, em parceria.
- E ainda, ser
capaz de se articular com outros instrumentos internacionais de referência no
âmbito dos direitos das mulheres e da violência contra as mulheres e, bem
assim, com o previsto na Directiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 25 de Outubro de 2012.
- E também, na decorrência desta, enfatizar e
promover uma maior capacitação e qualificação dos recursos e respostas às
vítimas, de forma transversal e numa abordagem integrada.
A cada tratado,
convenção, legislação, abre-se uma nova janela de oportunidade, uma fénix que
renasce e acalenta a acendalha – possível, mas que tarda - de uma vivência de
igualdade em equidade, um passo mais na efectivação de vidas sem violência, em
igualdade de direitos, não só na lei, mas na vida, uma responsabilidade em
parceria, de todas e todos, em que mulheres e homens são igualmente
necessários.
Seguiremos
intervindo pela efectivação de direitos humanos, seguiremos dando voz ao que
ainda não foi alcançado, continuaremos na busca dos direitos das mulheres, de
melhor justiça, de mais oportunidades, de mais igualdade. Um outro mundo é
possível: um mundo livre de violência!
Seguiremos na
expectativa de que os Estados e os Parlamentos tudo farão para que os direitos
consagrados na Convenção de Istambul possam ser vividos na vida das mulheres
vítimas de violência e de violência doméstica.
A UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta
Publicado na página IGUALDADE XXI no
Jornal Diário Insular de 5 de Agosto de 2014