quarta-feira, 24 de março de 2010

Destaque do Mês de Março de 2010

Destaque do Mês Zoya (nome fictício)

Cartaz soviético de 1932. Lê-se na parte superior: "8 de Março é o dia da rebelião das mulheres trabalhadoras contra a escravidão da cozinha." Na parte inferior lê-se: "Diga NÃO à opressão e ao conformismo do trabalho doméstico!" (in. http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_internacional_da_mulher)


A Revolução Russa de 1917 iniciou-se no Dia Internacional da Mulher, 8 de Março.
Antes da Revolução, o maior país do planeta, governado por uma monarquia absoluta, vivia tempos de avassaladora pobreza e exploração proletária. As greves foram-se multiplicando, tornando-se mesmo comuns, assim como os confrontos com as forças de segurança pública. Mas foi a 8 de Março de 1917 que o inesperado aconteceu. Reza a história, que as operárias de uma fábrica têxtil, situada em Petrogrado, hoje São Petersburgo, saíram às ruas manifestando-se contra a fome, contra o regime absolutista, contra a participação na 1ª guerra mundial, entre outros tantos protestos, quando a polícia não as deteu. Uma das marchantes recordara a um oficial que elas eram as mães, as filhas, as irmãs, dos soldados que estavam na fronte, ou seja, que pertenciam todos/as à mesma família. Este foi o começo da Revolução Russa que culminou, em 1922, com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Na Ucrânia, assim como nos restantes países da antiga URSS, o dia 8 de Março é feriado nacional; “é um dia para estar e agradecer às mulheres oferecendo-lhes flores” elucida Zoya, nome fictício da entrevistada do destaque do mês, de origem Ucraniana. Recentemente celebra-se nesta data, também, o dia da Mãe.
Zoya recorda-se, com alguma nostalgia, dos anos 80, antes do separatismo da União Soviética, avaliando a vida como “perfeita”. Comenta que “antes de 1992 a classe média era dominante, não havia ricos nem pobres; vivia-se em igualdade, (…), tínhamos oportunidade de estudar bem, trabalhar, comprar casa e carro”. Após independência, a Ucrânia confrontou-se com inúmeros problemas políticos e económicos que afectaram toda a população.
Por esta data, Zoya, recém-licenciada e mãe solteira, de pronto arranjou trabalho na sua área de especialização, inclusive, posteriormente, para fazer face às despesas vitais, alimentação e educação da filha, foi forçada a arranjar outro trabalho. Contudo o seu rendimento mensal, 60 euros, não era suficiente para fazer face ao cenário de hiper-inflação que se apoderara do país.
Sem futuro à vista, em 2001, decidiu emigrar para Portugal, o único país da União Europeia, que até então, mantinha fronteiras abertas, deixando, assim, a filha ao cuidado dos avós.
Presentemente, “os/as meus/minhas colegas do tempo de escola vivem quase todos/as em casa dos pais, (…), uma casa, geralmente, alberga, 3 gerações, avós, pais, filhos/as, podendo ainda chegar aos/às bisnetos/as, (…), é muito complicado, por isso muitas pessoas começaram a emigrar à procura de um futuro melhor ou para darem dinheiro aos seus familiares que ficaram na Ucrânia”, ressalva a entrevistada.
Através de uma rede ilegal de imigração, cujo objectivo era angariar mão-de-obra fraudulenta, Zoya, receando pela sua integridade quer física quer psíquica, introduziu-se no duvidoso mercado de trabalho como forma de poder legalizar a sua precária situação. De contabilista a operária numa fábrica de peixe, situada a norte de Portugal, trabalhava 6 dias por semana, 15 horas por dia. Cerca de uma centena de mulheres, e apenas mulheres, laboravam arduamente nesta fábrica de pequena dimensão, sendo ela a única e primeira imigrante. Lembra-se vivamente do primeiro sábado em que recebeu o equivalente aos seus 2 salários na Ucrânia, 60 euros, exclamando “nem acreditei, uma vez que não pagava casa, nem água, nem luz”. Hospedada com outras tantas operárias, por conta do patrão, recorda emocionada a camaradagem destes tempos de outrora, “talvez por ser a única imigrante protegiam-me e defendiam-me muito”, considera, acrescentando que “as outras imigrantes que chegaram depois não foram tão bem acolhidas como eu, (…), foram mais exploradas, sujeitas a trabalhos mais pesados”.
A sua primeira prioridade, como imigrante, consistia em legalizar a sua situação, portanto, sujeitou-se a 6 meses de trabalho na empresa anteriormente referida. De seguida ambicionava aprender a língua para depois procurar um trabalho melhor e, então, trazer a filha para Portugal. Um a um todos estes sonhos foram concretizados, também, não abdicou da aspiração de trabalhar na sua área de formação e apesar das equivalências não lhe terem sido atribuídas, voltou a estudar, tirando um curso técnico profissional de contabilidade geral e outro de informática aplicada à gestão.
“Aprender é a nossa forma de estar na vida, (…), o saber não pesa e melhora a qualidade de vida” defende Zoya, acrescentando que os/as ucranianos/as são, geralmente, trabalhadores/as altamente qualificados/as a nível educacional e profissional podendo aportar muito para o desenvolvimento do país de acolhimento. A curiosidade e a enorme vontade de aprender são traços comuns ao seu povo, quiçá, porque são fruto de uma educação que se baseia no dito proclamado por Lenine “estudar, estudar e mais uma vez estudar”.
Em 2004/5, Zoya, enamorou-se, desejou constituir família e mudou-se para os Açores, ilha Terceira, a pedido do companheiro de nacionalidade portuguesa.
Convencida que tinha reunido os requisitos necessários para trabalhar na sua área, e já apta ao nível do português, começou à procura de trabalho activamente; embora a sua área de residência fosse isolada e os transportes públicos escassos. Porém confrontou-se com uma realidade laboral em que a procura era muita e a oferta pouca.
Em 2006 separou-se do companheiro. Salienta que, durante este período o apoio da Segurança Social, assim como de várias IPSS e ONGs, foram fulcrais para a recuperação do seu bem-estar psicossocial.
Pelas trilhas da discriminação, Zoya, refere que, actualmente, a principal luta dos/as imigrantes reporta-se para o desconto nas passagens para o continente beneficiado pelos/as residentes das ilhas, declarando que “não é justo, trabalharmos, fazermos os nossos descontos e não termos os mesmos direitos que os/as outros/as cidadãos/ãs”, sendo que, um imigrante residente na Região Autónoma dos Açores tem o valor acrescido de quase 200 euros por viagem de ida e volta à capital.
No que concerne à integração dos/as imigrantes, a entrevistada, opina que ambos, quer país de acolhimento quer população imigrante, têm a sua quota-parte de responsabilidades neste processo. Sendo que, o/a imigrante deve estar disposto/a a aprender a nova língua, a trabalhar em serviços que não correspondem às suas qualificações, a resistir perante as adversidades, a ser empreendedor, a contribuir para o desenvolvimento do pais de acolhimento, a dar-se a conhecer assim como à sua cultura, para que possa melhorar a sua vida assim como da comunidade que o cerca. Relativamente à comunidade de acolhimento, neste caso a ilha Terceira, Zoya apela que “eliminem as barreiras (…) que compreendam que nós queremos estar aqui, queremos nos integrar e que temos muito para dar; assim como os vossos familiares noutros tempos emigraram para as Américas ou para o Canada, simplesmente à procura de um futuro”.

Raquel Félix Fontes

Publicado no Jornal Diário Insular - IGUALDADE XXI - de 24 de Março de 2010

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