terça-feira, 13 de julho de 2021

Então e qual é o teu Género?

Quando ouvimos a palavra género a grande maioria da população associa o termo aos factores feminino e masculino da nossa definição enquanto pessoa. Porém e cada vez mais (felizmente) existem formas de explicar em que consiste realmente o que é o género. Será algo tão binário como feminino ou masculino? Será algo que engloba muita mais informação/definição sobre a pessoa no seu particular?

Para facilitar a compreensão apresentamos o já conhecido de alguns de nós: “Biscoito do Género”.



Podemos encontrar esta imagem com relativa facilidade sempre que tivermos acesso à internet. Basta pesquisarmos biscoito do género, biscoito sexual ou até o homem biscoito e surgem-nos imensas imagens com mais ou menos legendas, porém os tópicos de informação são como os mesmos que os apresentados na ilustração anterior.

Ora poderão questionar qual a real função desta imagem ou o porquê da necessidade da sua criação? Pois de forma muito simplista, esta imagem foi criada com o intuito de explicar as diferenças entre identidade de género, expressão de género, sexo biológico e orientação sexual.

Quase que poderia apostar que a grande maioria de nós já utilizou, em algum momento, alguns destes conceitos mas infelizmente nem sempre da forma mais correta, ou pelo menos com o significado correto.

Então o que é a identidade de género? É uma caracteristica que define quem nós somos, ou seja, como nos identificamos, quem somos para nós mesmos. Por exemplo pessoas do sexo biológico feminino podem identificar-se como alguém do sexo masculino e vice-versa. Pessoas que habitualmente expressam a frase de “que nasceram no corpo errado”, portanto, não se identificam com as caracteristicas biológicas com que nasceram.  Acredita-se que a nossa identidade de género é formada a partir dos 3 anos de idade. Bastante mais cedo do que muitos de nós assumimos.

Se já nos conseguimos situar na identidade então o que é a expressão de género?

A expressão de género trata-se da forma como é demonstrado o nosso género aos demais, ou seja, a forma como nos apresentamos, nos vestimos, nos comportamos de acordo com a nossa sociedade e cultura. Por exemplo, pessoas do sexo biológico masculino que vestem roupa habitualmente associada a pessoas do sexo feminino, que apresentem comportamentos habitualmente associados ao sexo biológico oposto, entre muitas outras coisas. Por norma a expressão do género é interpretada pela maioria das pessoas através dos próprios pré-conceitos que têm sobre o ser “homem” ou ser “mulher”.

Agora podem perfeitamente estar a questionar, se identidade de género e expressão de género acontecem quase em “oposição” ao sexo biológico, então o que é o sexo biológico? Trata-se dos orgãos genitais, hormonas e cromossomas com que nascemos. As mulheres têm caracteristicas biológicas diferentes das dos homens (ex: mulheres - ovários, vagina, cromossomas XX; homens - pénis, testículos, cromossomas XY). Portanto, sexualmente falando, nascemos homens ou mulheres mas como já devem ter percebido a forma como nos identificamos e exprimimos não é, de todo, limitada ao binarismo macho e fêmea.

Por fim, o que é a orientação sexual? A orientação sexual está diretamente relacionada com o sexo das pessoas por quem nos sentimos atraídos. Atração por pessoas do mesmo sexo (homossexualidade), pessoas de sexo diferente (heterossexualidade), pessoas de ambos os sexos (bissexualidade) ou por nenhum dos sexos (assexualidade).

O Biscoito do Género mostra-nos como todas estas características podem relacionar-se entre si mas não estão interligadas, sendo obviamente independentes umas das outras. A orientação sexual não determina a expressão de género. A expressão de género não determina a  identidade de género, embora a possa influenciar tendo em conta factores como cultura e sociedade. E a identidade de género não é determinada pelo sexo biológico.

Parece bastante simples explicar que o corpo com que nascemos não pré-define as nossas escolhas e a forma como nos identificamos e sentimos, porém, é bastante complicado compreender estes conceitos se não formos sensíveis aos mesmos. Por essa razão é de extrema importância termos noção de que uma mentalidade aberta em relação a temas da sexualidade e de género ajuda-nos a sermos seres humanos bastante mais ilucidados, esclarecidos, felizes, prontos a ajudar e muito mais seguros para nos afirmarmos tal como somos.


Raquel Costa

Psicóloga da UMAR Açores – Delegação da ilha Terceira


Publicado na Página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 22 de Janeiro de 2021



terça-feira, 26 de janeiro de 2021

“Violência nas relações de intimidade: o que importa saber…”

Raquel Costa

Raquel Félix Fontes

Carla Mourão

“Violência nas relações de intimidade: o que importa saber…” foi o título dado a uma tertúlia / live através da rede social Facebook que a UMAR Açores levou a cabo no passado dia 10 de Dezembro de 2020 – Dia Internacional dos Direitos Humanos – como forma de “encerrar” a campanha deste ano relativa aos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres. O evento foi dinamizado pelas três psicólogas da Associação: Raquel Félix Fontes - UMAR São Miguel; Carla Mourão - UMAR Faial e Raquel Costa - UMAR Terceira.

Inicialmente estava pensado fazer-se uma organização por temas mas o discurso, felizmente, saiu de tal modo natural que muitos pontos foram tocados e que são preocupações comuns partilhadas não só pelas técnicas como por muitos dos participantes que assistiram e intervieram no momento.

Iniciou-se o discurso abordando a perspetiva feminista sobre o fenómeno da violência na intimidade que amplifica a dinâmica de desequilíbrio e poder dentro da relação abusiva, assim, como as narrativas socioculturais em torno das mulheres. O ciclo da violência também foi assunto, neste espaço, recordando a complexidade da relação abusiva. Foi realçada a importância de conhecer os sinais para que se possa intervir o mais atempadamente possível, evitando, assim, problemas de saúde maiores.

Também foi possível refletir sobre os avanços que se denotam na região no que concerne ao tema da Violência Doméstica e no Namoro e como se pode/deve melhorar as formas de intervir e de prevenir esta problemática.

Foi de comum acordo que nos últimos anos tem deixado de ser um tópico tabú (ainda o é mas não tanto como à uma década atrás), porém ainda não são tomadas formas de afirmação por parte de vítimas, testemunhas e até autoridades em diversas situações e contextos. É verdade que o nosso contexto sócio-cultural tem as suas particularidades e o facto de estarmos isolados na nossa insularidade permite que muitas situações se conheçam e se tornem incomodativas em diversos aspetos. Ainda assim, todo/as concordaremos que o facto de serem as vítimas a saírem do seu espaço pessoal trata-se de uma nova (entre muitas outras) formas de revitimizar a pessoa.

Ao longo da conversa foi possível ainda perceber que a prevenção e formação deveriam ser focos constantes e que o seu início precoce apenas viria a beneficiar a população em geral, e educar para a igualdade, no sentido de precocemente estes valores estarem solidificados, permitindo na adultez a robustez da igualdade, e de uma sociedade sem discriminações tão visíveis e expostas, mesmo fraturantes.

A “normalização” que se faz constantemente da violência é que é anormal, e mais curioso é que são os próprios jovens que a legitimam nos seus comportamentos dentro das relações de namoro.

De igual modo, foi possível perceber as vulnerabilidades do próprio sistema de intervenção face a vítimas de idade avançada e de realidades que ainda não foram “pensadas” na região (como o caso de pessoas LGBTI). As respostas são condicionadas pela nossa realidade e pela inexistência de facilidade de articulação entre diferentes meios de intervenção.

A nível judicial é pertinente “proteger” a vítima do seu próprio consentimento nas situações de suspensão provisória do processo, pois estamos a expô-la novamente, e a revitalizá-la, não a protegê-la, diria até que a estamos a por em risco. Também nesta área é fundamental o cruzamento dos processos de violência doméstica com os de família e menores. Dá que pensar se quem agrediu, muitas vezes em frente dos próprios filhos, consegue ser na verdade um bom pai ou uma boa mãe… Temos o dever de não só proteger a vítima, como proteger a criança e perceber e avaliar o impacto da violência doméstica nos menores.

A violência é um problema social e, como tal é necessário o entrosamento de toda/os nós para a vivência de comunidades mais saudáveis, que abraçam a diversidade humana e não são cúmplices com maus-tratos.

Aproveitamos para recordar que a Violência Doméstica é um crime público, o que significa que todo/as nós podemos denunciar esta situação. Para tal deverá contactar a Polícia de Segurança Pública, por telefone ou presencialmente, e relatar o sucedido (tem o direito ao anonimato!).

Resumidamente, estamos melhores do que estávamos mas podemos ficar muito melhor do que estamos. Para isso é necessária a intervenção, ajuda, consciencialização e atuação de todos. Porque uma boa sociedade constroí-se com bons cidadãos... 


As psicólogas da UMAR Açores

Raquel Félix Fontes

Carla Mourão

Raquel Costa


Publicado na Página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 23 de Dezembro de 2020