terça-feira, 17 de novembro de 2020

Igualdade - Alcoolismo

 

Rafaela Aguiar

Pós Graduada em Comportamentos de Risco

Especialização Avançada em Adições Químicas e Comportamentais




O alcoolismo é caracterizado pelo uso abusivo de bebidas alcoólicas e é responsável direta ou indiretamente pelos problemas familiares, sociais, profissionais, problemas físicos, psicológicos.

Os valores, as crenças e as atitudes do doente alcoólico influenciam dum modo geral a forma de recorrer numa fase mais precoce ao tratamento. Isto acontece quando o individuo(a) não reflete ou assimila o seu problema dificultando assim a adesão ao tratamento e consequentemente a sua qualidade de vida. É uma doença “silenciosa”.

Quando pensamos em alcoolismo o primeiro pensamento recai sobre os homens no entanto e embora em valores menores, segundo os últimos dados do SICAD, 43,6% (Homens) e 24,9% (Mulheres) consumiram + 60gr/episódio único (+/- 5 bebidas) nos últimos 30 dias, sendo a prevalência de PLA’s de 9,2% (Homens) e de 2,6% (Mulheres). Quanto à Prevalência de Dependência 4,9% (Homens), 1,4% (Mulheres). Portugal é dos países da União Europeia com maiores consumos e problemas ligados ao álcool. (12.3 L de puro álcool).

A incidência de problemas ligados ao álcool em relação às mulheres é uma doença mais comum nos dias de hoje do que podemos pensar, caraterizada por um alcoolismo escondido e encapotado em relação aos consumos do homem, Eu diria que os dados revelados talvez se traduzem na ponta do “iceberg”.

É de salientar que o alcoolismo masculino predomina em relação ao alcoolismo feminino. No entanto o alcoolismo feminino tem sido um fenómeno em crescimento nas últimas décadas.

Com a modificação dos papéis da mulher, a qual abandona a vida doméstica para viver de um modo muito mais intenso, integrada na vida social, com papel igualitário ao homem, o alcoolismo feminino surge como problemática a partir da década de 70. Essa realidade acabou por ser influenciada em muito pela publicidade, pelos diferentes cargos profissionais e responsabilidades acrescidas, pelo crescimento das atividades e comprometimento na sociedade.

É de referir que há alguns anos atras o perfil da mulher alcoólica era o de dona de casa onde bebia ou iniciava os seus consumos. Hoje o perfil corresponde ao de uma mulher com 18-25 anos que bebe ou inicia o consumo por razões sociais e/ou profissionais.

Manuel Cardoso subdiretor Geral do SICAD, diz-nos que “Nós saímos da crise, aumentou a esperança para tudo, inclusivamente para os consumos. Por um lado, parece que entrámos em festa, e isso na cultura portuguesa está associada ao consumo de bebidas alcoólicas, por outro, a igualdade de género, a evolução civilizacional e cultural da igualdade de género também é acompanhada neste processo”.

De acordo com os dados do SICAD existe um aumento do consumo de álcool entre as mulheres portuguesas bem como ente os jovens e na faixa etária acima dos 45 anos cresce o consumo de álcool. Esta é uma realidade que tem vindo acompanhar a evolução da sociedade.

A dependência alcoólica na mulher instala-se mais tarde em relação ao homem, havendo também, uma maior predisposição na mulher para o uso e abuso de álcool bem como uma tendência superior para o alcoolismo comparativamente ao homem.

A mulher devido à sua constituição física tem menor capacidade de metabolizar grandes quantidades de álcool em relação ao homem o que torna a situação particularmente grave.

Podemos considerar uma mulher alcoólica, quando esta tem uma dependência em relação ao consumo de álcool que gera problemas físicos, psicológicos ou sociais e familiares.

Liliana Pinto refere na sua tese que o alcoolismo feminino é caracterizado essencialmente por um aumento da vulnerabilidade aos efeitos tóxicos do álcool. O consumo de álcool das mulheres é inferior ao dos homens, ainda assim os efeitos do álcool fazem-se sentir mais rapidamente e com maior gravidade nas mulheres. Estatura menor, mais tecido adiposo e uma absorção mais rápida provocam uma maior concentração de álcool na corrente sanguínea nas mulheres.

As principais consequências no alcoolismo feminino são a hipertensão arterial, risco de cirrose hepática, cancro da mama, acidentes cerebrovasculares, maior risco de infertilidade e de abortos espontâneos. Também pela sua menor capacidade metabólica, a mulher tem um processo de alcoolização mais rápido que o homem.

É muito comum encontrarmos associações entre as perturbações psiquiátricas e o alcoolismo, especialmente nas mulheres, sobretudo perturbações depressivas e de ansiedade, o que requer também especial atenção no tratamento psiquiátrico para que seja mais fácil tratarmos o problema do álcool. Também as benzodiazepinas estão associadas às dependências o que estimula um aumento do potencial e iatrogénico das substâncias.

O alcoolismo na mulher é muitas vezes uma forma de se livrar de sintomas associados a quadros depressivos, ansiedade, antecedentes de abuso sexual na infância; desemprego; a saída de casa dos filhos - síndrome de ninho vazio -, reforma antecipada ou não, conflitos familiares, divórcio, violência física e psicológica por parte do companheiro, problemas económicos e o isolamento. De salientar que na conjuntura atual, já existem dados que revelam que o isolamento divíduo ao COVID-19, o alcoolismo aumentou quer em mulheres quer em homens.

O medo do estigma, a vergonha, sentimentos culpabilizantes a reprovação social contribuem para uma dependência “escondida” e diagnosticada muitas vezes de forma tardia.

Podemos nos perguntar como bebem as mulheres depois de instalada a dependência? Estas mulheres bebem sozinhas e o ato é vivido com culpa; bem logo pela manhã com vista a obtenção de um efeito euforizante ou ansiolítico; os seus consumos são rápidos e pouco enraizados em convívios sociais…

É importante que estas mulheres assumam a sua dependência para poder tratá-la procurando ajuda junto da família, do seu médico assistente e do psiquiatra, das equipas de intervenção em comportamentos aditivos, porque quanto mais tarde o diagnóstico, mais difícil será o tratamento. É fundamental que estas mulheres percebam que os técnicos de saúde não pretende julga-las, mas sim identificar o problema para poderem iniciar um tratamento precoce e aproveitar a fase da vida em que exista motivação e rede de suporte para poderem ser tratadas.

“Ninguém imagina que, um dia, irá sofrer de alcoolismo. Mas infelizmente a doença não escolhe gênero, condição social ou idade. Por isso, caso perceba os sintomas, procure ajuda”. Autor desconhecido.


Publicado na Página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 5 de Novembro de 2020



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