sexta-feira, 6 de novembro de 2020

E depois da denúncia em tempo de COVID?

Face à situação de emergência de saúde pública que se vive atualmente podemos dizer que, no geral, as medidas legislativas até então adotadas de apoio às vítimas de violência doméstica, durante este período de isolamento provocado pelo COVID-19, são adequadas, necessárias e proporcionais ao fim pretendido.

Entre as medidas a que nos referimos supra, incluem-se, desde logo, a exceção prevista no Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril - diploma que regulamenta a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República -, de permitir deslocações para acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica, o aumento da capacidade do alojamento de casas de abrigo, a existência de piquetes de urgência em todos os distritos, o reforço das linhas telefónicas existentes para apoio a estas vítimas (800 202 148 a nível nacional e 800 272 829 para os Açores) e a criação de um e-mail de emergência específico (violencia.covid@cig.gov.pt) e de um serviço de mensagens curtas, gratuito e confidencial (3060).

Podemos considerar que, em abstrato, as medidas implementadas até agora coadunam-se com a obrigação de confinamento a que estamos sujeitos, uma vez que permitem a denúncia de toda e qualquer situação de coação, violência ou negligência, através, por exemplo, de uma simples mensagem escrita.

Acreditamos, portanto, que está a ser feito tudo quanto pode ser feito, neste momento, quer - por um lado -, para não prejudicar ou impedir a denúncia destes casos, quer - por outro -, para não comprometer ou lesar a saúde de todos.

Ainda que, de acordo com um comunicado recente da Polícia de Segurança Pública, as denúncias de violência doméstica tenham diminuído em 15% no mês de março, comparativamente com o período homólogo de 2019.

Mas, e depois da denúncia? Como podem, atualmente, as vítimas de violência doméstica sair de casa? Quais os recursos ou meios disponíveis para que isso aconteça? Como chegam às casas de abrigo? Para onde podem ir caso não haja possibilidade de permanecerem naqueles espaços?

Esta é, na verdade, a grande dificuldade com que nos deparamos, não só agora, mas desde sempre.

De facto, e tal como acontecia antes desta pandemia, o problema é perceber como se vive depois de apresentar denúncia de crime de violência doméstica.

A situação agrava-se, ainda mais, face à crise que se vive - e que se viverá, mais ainda, no futuro -, em virtude da situação de emergência presente e do consequente abrandamento, ou rutura, da economia.

Sendo que a crise que estamos - e continuaremos a assistir -, afetará, não só as pessoas mais vulneráveis, como os idosos e as crianças, mas também as mulheres.

Sobre este assunto, referiu a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, numa entrevista recente ao Notícias ao Minuto (1) o, que num futuro próximo, admite-se uma repercussão terrível na vida das mulheres que poderá, inclusive, assemelhar-se ao período de crise vivido na altura da troika, com o regresso de um impacto diferenciado de género no desemprego que poderá conduzir à precariedade.

Infelizmente não é novidade de que essa desigualdade salarial sempre existiu, e continuará a existir, a não ser que sejam tomadas medidas sérias de prevenção e controlo.

De acordo com a informação disponibilizada pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, a propósito do dia nacional da igualdade salarial (2), as mulheres ainda ganham menos 14,8% do que os homens. Sendo que, o fosso salarial seria ainda maior se atendesse ao rendimento médio mensal, que inclui outras componentes, como é o caso das horas extra, dos prémios e de outros ganhos regulares, como o subsídio de função.

Como resulta da comunicação da Comissão Europeia, datada de 5 de março de 2020, intitulada «Uma União da Igualdade: Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025» (3), apesar dos progressos notáveis nas últimas décadas, a violência e os estereótipos baseados no género continuam a existir; tanto assim é que, uma em cada três mulheres já foi vítima de violência física e/ou sexual.

Neste contexto declarou a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von de Leyen que, «a igualdade de género é um princípio fundamental da União Europeia, mas não é ainda uma realidade. Nas empresas, na política e na sociedade em geral, só poderemos concretizar plenamente o nosso potencial se utilizarmos todos os nossos talentos e diversidade. Utilizar apenas metade da população, metade das ideias ou metade da energia não é suficiente» (4).

Ora, prevendo-se uma vaga de desemprego nos próximos tempos, seria igualmente importante começar, agora, a implementar medidas céleres e eficazes para evitar este tipo de desigualdade.

É importante continuar a criar os meios necessários para que situações de violência doméstica sejam denunciadas; o que tem vindo a ser feito, mesmo perante o contexto de isolamento a que estamos sujeitos e ainda que se estranhe uma diminuição de participações deste tipo de crime.

No entanto, é igualmente, ou mais, importante pensar no futuro de todas as vítimas depois de apresentarem denúncia. Para onde vão? Como se sustentam? E, para isso, é necessário dotar o sistema das condições necessárias para que todas as vítimas de violência doméstica consigam refazer a sua vida. O que nos leva, por sua vez, à necessidade de implementar meios de prevenção e combate às desigualdades, sobretudo no meio laboral.

Em tempos prévios da celebração de uma das datas mais marcantes da história da liberdade de Portugal devemos relembrar que, foi também para isso, pela igualdade de género, que se fez abril.


Rute Silva - Voluntária na UMAR Açores


(1) - Cfr. https://www.noticiasaominuto.com/pais/1455734/estamos-a-antecipar-um-boom-de-denuncias-de-violencia-domestica. 

(2) - Cfr. http://cite.gov.pt/pt/acite/campanhas007.html

(3) -  Cfr. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0152&from=EN

(4) - Cfr. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_358.


 Publicado na Página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 24 de Abril de 2020


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