sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

“As Lobas Corajosas”

Grupo Terapêutico com Mulheres Vítimas de Violência Conjugal


Ao longo dos meses de Fevereiro a Abril, realizou-se pela primeira vez na UMAR Açores um grupo terapêutico com mulheres vítimas de violência conjugal. Este programa surgiu da necessidade de algumas utentes, acompanhadas no serviço de psicologia da UMAR Açores – Delegação de Angra de Heroísmo, em partilhar a sua história com outras mulheres em contextos de vida semelhantes, com o intuito reforçar a sua narrativa, muitas vezes desvalorizada e banida pela sociedade.
O principal objectivo do programa de intervenção em grupo foi fornecer às mulheres vítimas de violência conjugal um novo significado à sua história de modo a que as próprias a integrassem satisfatoriamente no seu reportório de vida e reconhecessem o seu valor enquanto mulheres.
O programa foi projectado para conter 8 sessões, nas quais se integraram várias dinâmicas em grupo (e.g., discussões grupais, visualização de filmes, leitura de textos, etc.), articuladas com algumas estratégias de treino de competências (e.g., assertividade), introduzindo também algumas técnicas cognitivo-comportamentais (e.g., debate de crenças, preenchimento de tabelas, etc.).
O grupo terapêutico foi constituído por 5 elementos do sexo feminino, com média de idades nos 42 anos. Todas as participantes estavam a ser acompanhadas em terapia individual, sendo a terapia em grupo um complemento ao seu processo terapêutico. As sessões aconteceram todas as terças-feiras (desde finais de Fevereiro a meados de Abril), pelas 17h30, na sede da UMAR Açores. Em média as sessões tinham a duração de 1h30m. As sessões foram mediadas pelas psicólogas Letícia Leal (estagiária em Psicologia da Justiça – terapia em grupo desenvolvida no âmbito do estágio académico da aluna) e Dra. Rita Silva (psicóloga residente).
Este programa permitiu verificar os benefícios que estes grupos de ajuda oferecem a mulheres vítimas, bem como os seus contributos para a melhoria do bem-estar emocional das utentes. Igualmente, enfatizou a importância que a troca de experiências sobre esta problemática revela na diminuição da ideia de caso único e que os diferentes pontos de vista e soluções apresentadas são muitas vezes mais valorizados ditos por pessoas com histórias de vida análogas. Relativamente, às narrativas em si, constatou-se uma evolução nos discursos, desde as sessões iniciais até às últimas, uma vez que, no início os discursos envolviam muito o sentimento de culpa, a frustração e raiva pelos anos perdidos, tendo mais para o final do processo, assumido uma postura cada vez mais assertiva, através da libertação do papel de vítimas. Este processo, também, contribuiu para a diminuição do isolamento das participantes, para a sua valorização pessoal, reconhecimento da sua coragem e validação das suas mudanças pessoais, através duma identidade colectiva que ficou selada neste grupo de “lobas corajosas”.
O último objectivo do processo terapêutico em grupo era que as participantes fossem capazes de “reescrever” as suas histórias focalizando-se nos aspectos que as fizeram tornar as mulheres que são na actualidade, tendo no final sido escrito uma pequena narrativa que englobasse as suas árduas caminhadas:
“Todas as manhãs acordavam com novas esperanças, o desejo de que o dia anterior seria esquecido e que hoje…sim, hoje tudo iria melhorar! Infelizmente, foram precisos anos para perceberem que o príncipe encantado, não passava de um “lobo disfarçado de cordeiro”, e o desejo do companheiro mudar e compreendê-las, foi canalizado para o desejo de recuperar os anos perdidos, uma vez que, de dia para dia, o ar parecia ficar mais rarefeito e as forças para continuar começavam a escassear. Finalmente, passados anos de tristeza, dor, medo, angústia, desespero, reflectiram que por muito que quisessem salvar o casamento, ele não se iria conservar só com um dos lados a lutar, optando que entre ficar a “ver-se morrer” ou a “salvar-se”, por muitos custos que antecipassem da segunda opção, nada valia mais do que mudar, fossem quais fossem as consequências. Hoje, olham para trás e arrependem-se de ter adiado tanto a situação, mas agradecem o facto de, mesmo depois de muitos anos, agora poderem dizer: “agora tenho paz… hoje sou feliz”.
No final, distribuiu-se um diploma de participação e solicitou-se que as utentes construíssem uma pequena lembrança (e.g., placa com mensagem para aplicar no frigorífico), onde escreveriam uma frase positiva sobre si, para se recordarem que não são só aquelas mulheres que estiveram num grupo para vítimas, que não são só mães, amigas, ou companheiras…lembrar que acima de tudo são MULHERES e que tem características positivas que não podem esquecer.
Em conclusão, o programa em grupo teve muita receptividade das participantes que partilharam no termo da terapia: “sentimo-nos bem, o sentimento de culpa diminui muito quando sabemos que não fomos as únicas”. Este feedback dá-nos o mote para a realização de novos grupos de ajuda para mulheres vítimas de violência conjugal no futuro.

Letícia Leal

Publicado no Jornal Diário Insular - IGUALDADE XXI - de 27 de Junho de 2009

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