terça-feira, 5 de novembro de 2019

O feminismo beneficia os homens?


 
Antes de responder a uma pergunta tão complexa quanto esta e considerando que muitas pessoas (inclusive eu) não são especialistas ou não estão totalmente familiarizadas com o conceito de feminismo, acho necessário esclarecer os termos chave desta questão, para que todos partamos da mesma base, o mais objetiva possível.

O feminismo é um conceito com mais de um século de história e tanto no passado como agora exige o reconhecimento das mulheres, dos seus direitos e capacidades tradicionalmente reservados aos homens. Em resumo, trata-se de um movimento social que exige igualdade entre homens e mulheres.

Agora, se nos perguntarmos o efeito positivo que esse movimento tem para com o género masculino em particular, podemos perder-nos num debate complicado em que parte dos homens podem sentir-se ofendidos por várias razões: sentirem-se excluídos pela própria etimologia da palavra "femin-ismo "; pensar que estão a ser questionados os seus próprios valores pessoais e sendo rotulados com base no seu género (assim como as mulheres já reclamam há algum tempo); sentindo-se não identificados ou até atacados por não se considerarem nem mulheres nem como pessoas sexistas (aquelas que mostram preconceitos ou discriminação contra um género).

Por outro lado, ainda encontramos pessoas de todos os sexos que confundem o termo feminismo (igualdade de género) com femismo (discriminação de género masculino). Alguns até acham difícil acreditar que hoje ainda partamos de diferentes bases de direitos e liberdades para com as mulheres, e que o que se pretende não é desvalorizar o homem, mas dar a elas mais visibilidade, voz e poder para alcançar uma equidade, ou condições iguais, começando com o nome do movimento.

Também não nos devemos esquecer de que não podemos ignorar uma realidade que, ao não nos afetar pessoalmente, não implica que ela não exista. Negar a existência de sexismo ou da violência de género e a necessidade de uma ferramenta de luta como o movimento feminista é negar a discriminação, assédio e sofrimento de uma grande parte da população do mundo, de ambos os sexos.

Da mesma forma, uma pergunta recorrente também pode ser... Será que é atingível essa equidade ou é apenas uma utopia ideológica? Afinal, homens e mulheres são diferentes, mas não é só isso, também há distinções entre mulheres a respeito de outras mulheres, exactamente o mesmo que acontece com os homens. Daí a complexidade deste movimento e todas as suas divergências ao longo da história. Felizmente, o conceito geral de feminismo concentra-se só nas diferenças de género e sempre com o objetivo de alcançar essa igualdade de direitos e oportunidades, algo que em princípio todos concordamos.

Os famosos estereótipos e valores que, em certos contextos culturais, continuam a ser atribuídos a cada género (competitividade, sensibilidade, empatia, inteligência, liderança...) e que no fundo são o resultado de uma série de preconceitos e generalizações adquiridas. Será que não nascemos todos com esses atributos ou com a capacidade de treinar força, sentir e expressar emoções, ser ambiciosos ou altruístas? Porque é que essa atribuição de valores é tão limitada e preconceituosa? Cada indivíduo deve ter o direito de ser quem deseja, sem rótulos ou condicionamento social. A verdade é que cada pessoa é diferente das outras física e mentalmente. E essa diversidade, às vezes, é difícil de ver e aceitar para o mesmo indivíduo e para a sociedade, portanto, o positivo para todos seria vê-la como um facto e como parte das nossas qualidades e beleza individual. A verdade é que o inimigo comum é precisamente essa discriminação, ódio e violência contra a nossa diferença em favor do respeito e da tolerância.

Estabelecidas as bases e os problemas da questão, porque não agora tentar-se, não sem algum esforço, imaginar-nos na pele de homens e ver o que a igualdade pode trazer... Na minha opinião subjetiva: Feminismo pode impulsionar a alguns homens (assim como a muitas mulheres) a livrarem-se dos papéis de género e oferecer a oportunidade de refletir e partilhar os seus próprios sentimentos, seja tristeza, alegria, amor, raiva, medos e paixões; Não serem julgados pelos seus interesses ou profissão, ter as mesmas condições que os seus parceiros para desfrutar da paternidade, partilhar responsabilidades financeiras no lar, tirar valor às exigências dos estereótipos superficiais (incluindo relações íntimas) e, é claro, obter o entendimento desejado e vínculo com as suas parceiras, namoradas, amigas, filhas, irmãs, mães ou qualquer pessoa do sexo oposto. Concluindo, as vantagens de viver numa sociedade mais justa para todos, onde a pessoa é vista, não pelo género mas com a mesma oportunidade de ser ouvida independentemente da origem. Esta sociedade estará necessariamente mais sensibilizada para os problemas sociais e tolerante às diferenças. Menos egoísta e mais altruísta, mais humana e menos “animalesca”.

Infelizmente, acredito que todos somos capazes de reconhecer que hoje essa sociedade está longe de ser uma realidade. Em vez de desconfiar do desconhecido, e de conceitos como o feminismo ou discriminação positiva, seria bom iniciar a mudança e ser um pouco mais auto-críticos. Apenas tentem imaginar os benefícios que essa luta contra a discriminação e os preconceitos sistémicos podem trazer para todos. Podemos começar individualmente, destruindo os rótulos aprendidos para cada género e, como um homem já me disse “abrirão o vazio que ambos os géneros vão preencher junto do outro”.
Clara Polaino
 
Publicado na Página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 24 de Outubro de 2019
 

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