A UMAR – Açores, enquanto Associação que demanda, entre outras coisas, intervir na sociedade no sentido de ultrapassar os estereótipos relacionados com a questão do género, procurou saber como se dá a integração da mulher num mundo maioritariamente masculino como é o caso do trabalho nas Escolas de Condução. Assim, foi entrevistada a Sr.ª Marisa de Fátima Ávila Forjaz Coelho Borges, de 34 anos de idade, que nos contou a sua experiência como instrutora na Escola Ilha 3, desde 2003.
Marisa tinha a ideia de que esta área era “muito mais fácil, que era só passear”, mas, quando iniciou o seu trabalho como instrutora, percebeu que “afinal não é nada disso, mas é muito giro”, como qualquer outra profissão, requer muito trabalho, neste caso, “não fisicamente, mas mais a parte psicológica”, uma vez que esta área implica lidar diariamente com as diferentes personalidades dos seus instruendo/as, mas com o passar do tempo “vai-se moldando às pessoas”.
Relativamente à questão de trabalhar com colegas maioritariamente do sexo masculino a instrutora Marisa afirma “não tenho problema absolutamente nenhum, para mim é igual”. Ao longo da sua carreira sempre teve uma boa relação com os seus colegas “tenho sorte com os colegas que tenho ao meu redor, eles ajudam imenso, nós somos uma equipa”, “se eu já tivesse tido esse problema já não estava cá a trabalhar”.
Em relação aos seus/as instruendos/as, refere que já passou por uma situação em que se sentiu descriminada, pelo facto de ser mulher. Numa determinada altura um dos seus alunos revelou sentir-se mal por ter aulas de condução com uma mulher. “Eles às vezes vêm com uma ideia de que como eu sou mulher, não vou ensinar tão bem”, mas as mulheres também têm a mesma atitude “já houve mais problemas com mulheres do que com homens, como por exemplo dizerem que só querem ter aulas com homens”.
De qualquer forma, situações destas não a aborrecem. Por vezes, ouve comentários de que “as mulheres são um perigo e ainda por cima podem ensinar, vão criar ainda mais perigos para a estrada”, mas considera que hoje em dia já são comentários feitos por brincadeira. O que a deixa realmente incomodada são as atitudes dos outros condutores face ao carro de instrução, e que denota como uma grande desvantagem nesta profissão. Reconhece que este provoca o embaraço do trânsito, no entanto as pessoas, “não têm respeito absolutamente nenhum”, “esquecem-se que já aprenderam, buzinam, mandam bocas”. “Esquecem-se que vão ter filhos mais tarde e que vão passar pelas mesmas situações. Quem está a conduzir não pode andar a grandes velocidades”.
Marisa recorda situações caricatas que revelam que “as pessoas não são cívicas”. Numa situação com um taxista, este saiu do carro no meio de uma rotunda “ veio chamar nomes à aluna e dizer que lhe ia bater…”, porque a instruenda travara bruscamente o carro parando dentro da rotunda. Outras vezes, vão atrás do carro de instrução “eu vejo pelo espelho retrovisor, eles mandam bocas, levantam as mãos e depois metem a cabeça de fora do vidro e começam a dizer coisas”. Também por parte de alguns peões, acontecem situações pouco correctas da parte destes, “quando vêem que o carro é da instrução metem-se logo porque sabem que o instrutor está ali e que vai ter de parar”. A instrutora afirma com descontentamento que frequentemente assiste a situações em que ”não há respeito!”. “Os portugueses têm esse problema, eles ouvem, a gente avisa, não façam isso, mas depois quando têm a carta na mão esquecem-se de muito do que aprenderam”. Por este motivo, apela a todos para que tenham um pouco mais de respeito por quem está a aprender.
Mas como qualquer outra profissão, ser instrutora de condução também tem as suas vantagens. Na sua perspectiva a principal é ver a evolução do aluno, “pegar numa pessoa que não faz ideia do que era conduzir e a partir de uma certa altura começar a ver os frutos”. Todavia, por vezes, é difícil fazer com que este “mude a sua maneira de estar, porque conduzir não é uma brincadeira, é uma coisa séria”, e há que haver uma postura de “muita responsabilidade”.
Em relação à sociedade em geral, considera que as pessoas ainda têm a ideia de que esta profissão é só para homens, “mas não é”. Baseia esta opinião no facto de, no inicio da sua actividade, perceber que por vezes, os/as seus alunos/as duvidavam do que dizia, “parece que quando ouvem um homem a falar que é mais verdade do que aquilo que uma mulher está a falar”, e, “às vezes até me experimentavam, e faziam perguntas para ver se eu realmente sabia o código de estrada”. Ao princípio estas situações deixavam-na um pouco afectada emocionalmente, mas agora diz já não ter problemas desses. Julga também que, as pessoas não deveriam duvidar do conhecimento de uma mulher só porque trabalha numa área que socialmente se entendeu como sendo mais masculina do que feminina, “lá por ser mulher não quer dizer que não saiba mais ou igual que um homem”. O conhecimento e a competência para ensinar não está relacionado com o sexo mas com a capacidade das pessoas para se aplicarem e dedicarem ao seu trabalho, tal como outro colega qualquer tem “ meses em que não tenho um aluno que reprove no exame”.
O testemunho da instrutora Marisa, como outros que temos vindo a apresentar é o retrato da capacidade das mulheres para vingar num mundo considerado como “masculino”. Qualquer cidadão/a pode trabalhar naquilo que quer e gosta, não importa o sexo, pois ambos têm a capacidade para aprender da mesma forma.
Felizmente homens e mulheres são diferentes e é nessa diferença que devemos encontrar a riqueza e a força para trabalharmos unidos, ultrapassando as dificuldades crescentes com as quais a nossa sociedade se depara actualmente. Alimentar preconceitos que não fazem qualquer sentido, apenas contribui para aumentar o desrespeito e o afastamento entre as pessoas, não promovendo assim, o avanço da nossa sociedade.
Carla Garcia
Publicado no Jornal Diário Insular - IGUALDADE XXI - de 2 de Julho de 2010
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Destaque do Mês de Junho de 2010
Instrutora de Condução Marisa Borges
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