quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Estatuto de Vítima de Violência Doméstica

Bárbara Guimarães

A Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, veio estabelecer o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas. De facto, foi decidido pelo nosso legislador que as vítimas do crime de violência doméstica deviam receber, caso o queiram, um estatuto próprio, que se consubstancia em diversos direitos e deveres.
Deste modo, após a denúncia da prática do crime de violência doméstica, e não existindo fortes indícios de que a mesma é infundada, as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes (sendo o mais usual a Polícia de Segurança Pública, entidade à qual a maioria das vítimas denunciam a sua situação) atribuem à vítima, para todos os efeitos legais, o estatuto de vítima. Nesse momento, é-lhes entregue um documento comprovativo do referido estatuto, que compreende os direitos e deveres estabelecidos na lei.
E quais são esses direitos e deveres?
Em primeiro lugar, é garantido à vítima o acesso a diversas informações: o tipo de serviços ou de organizações a que pode dirigir-se para obter apoio (como é o caso dos serviços prestados pela UMAR Açores, que se concretizam num atendimento e apoio tri-partido: psicológico, sociológico e jurídico); o tipo de apoio que pode receber; onde e como pode apresentar denúncia; quais os procedimentos seguintes à denúncia e qual o seu papel no âmbito dos mesmos; como e em que termos pode receber protecção; em que medida e em que condições tem acesso a aconselhamento jurídico ou apoio judiciário ou, ainda, outras formas de aconselhamento; quais os requisitos que regulam o seu direito a indemnização; e, por fim, quais os mecanismos especiais de defesa que pode utilizar, sendo residente noutro Estado.
Além disso, sempre que a vítima o solicite junto da entidade competente para o efeito, e sem prejuízo do regime do segredo de justiça, deve ainda ser-lhe assegurada informação sobre: o seguimento dado à denúncia; os elementos pertinentes que lhe permitam, após a acusação ou a decisão instrutória, ser inteirada do estado do processo e da situação processual do arguido, por factos que lhe digam respeito, salvo em casos excepcionais que possam prejudicar o bom andamento dos autos; e, por fim, a sentença do tribunal. A vítima deve também ter acesso à informação sobre a libertação de agente detido ou condenado pela prática do crime de violência doméstica, no âmbito do processo penal.
Define-se, também, que a vítima deve ser informada, sempre que tal não perturbe o normal desenvolvimento do processo penal, sobre o nome do agente responsável pela investigação, bem como da possibilidade de entrar em contacto com o mesmo para obter informações sobre o estado do processo penal. Deste modo, pretende-se que haja um elo de ligação permanente entre a autoridade judiciária e a vítima, de modo a existir não só um melhor andamento da investigação, mas também uma maior confiança da vítima no sistema judicial.
Em segundo lugar, há o direito à audição da vítima e a possibilidade de proceder à apresentação de provas, requerendo, para tal, a sua constituição como assistente no processo (ou seja, tendo uma posição própria no processo penal, de “coadjuvante” com o Ministério Público, que tem a seu cargo a investigação do crime e a dedução da acusação).
Em terceiro lugar, é garantida assistência específica à vítima. Para tal, o Estado assegura, gratuitamente nos casos estabelecidos na lei, que a vítima tenha acesso a consulta jurídica e a aconselhamento sobre o seu papel durante o processo e, se necessário, o subsequente apoio judiciário quando esta seja sujeito em processo penal. Ou seja, tem a possibilidade de pedir que fique isenta de custas e de outros encargos com o processo, assim como que lhe seja nomeado um advogado para a representar, ficando, também, isenta do pagamento dos honorários desse profissional.
E mais, caso a vítima intervenha na qualidade de sujeito no processo penal, deve-lhe ser proporcionada a possibilidade de ser reembolsada das despesas efectuadas em resultado da sua legítima participação no processo penal.
Em quarto lugar, é assegurado o direito à protecção da vítima e, sendo caso disso, à sua família ou a pessoas em situação equiparada, nomeadamente no que respeita à segurança e salvaguarda da vida privada. Tal acontece sempre que as autoridades competentes considerem que existe uma ameaça séria de actos de vingança ou fortes indícios de que essa privacidade pode ser grave e intencionalmente perturbada por parte do agressor.
Além disso, o contacto entre vítimas e arguidos em todos os locais que impliquem a presença em diligências conjuntas, nomeadamente nos edifícios dos tribunais, deve ser evitado. Ainda, em relação às vítimas especialmente vulneráveis, deve ser assegurado o direito a beneficiarem, por decisão judicial, de condições de depoimento, por qualquer meio compatível, que as protejam dos efeitos do depoimento prestado em audiência pública (ou seja, a possibilidade de serem ouvidas “à porta fechada”). O juiz ou, durante a fase de inquérito, o Ministério Público, podem determinar, sempre que tal se mostre imprescindível à protecção da vítima e obtido o seu consentimento, que lhe seja assegurado apoio psicossocial e protecção por teleassistência, por período não superior a seis meses, salvo se circunstâncias excepcionais impuserem a sua prorrogação. Para tal, o organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género pode recorrer a regimes de parceria para instalar, assegurar e manter em funcionamento sistemas técnicos de teleassistência.
Em quinto lugar, é exposto o direito à indemnização e a restituição de bens à vítima. Assim, é reconhecido à vítima o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. Além disso, os objectos restituíveis pertencentes à vítima e apreendidos no processo penal são imediatamente examinados e devolvidos. Por fim, independentemente do andamento do processo, à vítima é reconhecido o direito a retirar da residência todos os seus bens de uso pessoal e exclusivo e, ainda, sempre que possível, os seus bens móveis próprios, bem como os dos filhos ou adoptados menores de idade, os quais devem constar de lista disponibilizada no âmbito do processo sendo a vítima acompanhada, quando necessário, por autoridade policial.
Por último, é referido que a vítima tem direito a ser ouvida em ambiente informal e reservado, devendo ser criadas as adequadas condições para prevenir a vitimização secundária e para evitar que sofra pressões desnecessárias (nomeadamente, quanto ao local onde podem efectuar a denúncia do crime, que deve ser protegido do público em geral). A vítima tem ainda direito, sempre que possível, e de forma imediata, a dispor de adequado atendimento psicológico e psiquiátrico por parte de equipas multidisciplinares de profissionais habilitadas à despistagem e terapia dos efeitos associados ao crime de violência doméstica.
O Estatuto de vítima cessa por vontade expressa da vítima ou por verificação da existência de fortes indícios de denúncia infundada, assim como pelo arquivamento do processo. No entanto, a cessação do estatuto da vítima não prejudica, sempre que as circunstâncias do caso forem consideradas justificadas pelos correspondentes serviços, a continuação das modalidades de apoio social que tenham sido estabelecidas.

Publicado na Página Igualdade XXI - Diário Insular de 11 de Novembro de 2011

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