segunda-feira, 28 de julho de 2014

Destaque do mês de Julho de 2014


Sónia Bettencourt, entre a poesia e o jornalismo
 
Fotografia de António Araújo

Sónia Marisa Bettencourt Vieira tem 36 anos, é licenciada em Filosofia pela Universidade dos Açores e desempenha actualmente a actividade de jornalista. No entanto a poesia ocupa uma parte significativa da sua vida. Estreou-se com o lançamento do livro “Pena e Pluma”, em 2003, edição de autor, reeditado em 2007, no Brasil, em versão bilingue português/castelhano, pela chancela Demónio Negro. No mesmo ano publicou “As Três Faces de Eva”, pela Corpos Editora. Com o conto "Mar Vazio", venceu o Prémio Conto, categoria sénior, do Certame da Macaronésia de Jovens Artistas, Canárias, em 2005. Publicou ainda outros contos em revistas do Brasil e de Espanha, a par de revistas locais, mas sempre com as atenções viradas para a América do Sul, por gostar de castelhano e acreditar que é um idioma bastante significativo no contexto mundial. 
 
Como começou a escrever poesia?
O gosto pela poesia, e pelos livros em geral, surgiu durante a adolescência, fase propícia aos primeiros rabiscos alusivos aos desgostos de amor e às rebeldias sociais próprias da idade. Entretanto, a maioria dos meus professores, dos diferentes anos de ensino, incentivou-me a trabalhar as palavras em profundidade e a (re)ler bastante. A par disso sugeriram-me autores e críticos literários, como Aquilino Ribeiro, Eduardo Lourenço e Umberto Eco, e, até hoje, essas “coisas” da escrita têm sido uma descoberta contínua. Os gostos pelos autores e pelos registos literários vão variando conforme os meus estudos, as minhas vivências e a exigência pessoal aumentando a cada frase que escrevo ou a cada poema. É caso para dizer que o perfecionismo é tramado! Posso passar semanas à volta de uma vírgula. Trata-se apenas de uma vírgula, podem dizer-me, mas a “minha” vírgula não pode ficar num sítio que não lhe pertence. Uma vírgula mal colocada ou uma gralha num texto podem estragar-me um dia.
Presentemente, a maioria dos livros de “poesia” lançados nos últimos tempos deixam muito a desejar. Há uma confusão tremenda entre poesia e “palavras bonitas”. A primeira dá muito trabalho, e, como diz o outro “os dias não estão para isso”, a segunda só permite dar luz a flores de plástico.
 
E para si o que é a poesia?
Ainda não sei. Talvez amanhã saberei.
 
O que a motivou a ser jornalista?
O jornalismo surgiu na minha vida, em primeiro lugar, pelo gosto da escrita. Era a única maneira de escrever e ser paga por isso. Mas claro que é muito mais do que isso. É informação, intervenção social, esclarecimento, divulgação mesclada de chatices, pressões, ordenados precários e feira de vaidades. Acrescente-se, obviamente, muito amor à camisola. Caso contrário seria como ter uma profissão onde se perde mais do que se ganha. Hoje em dia o jornalismo está bastante desvalorizado face à concorrência desleal, isto é, o acesso fácil a microfones, máquinas fotográficas, câmaras de filmar, blogs e outras plataformas fomentam a criação de pseudo-repórteres. É a chamada “sociedade do espetáculo” em que todos querem ver e ser vistos. Depois fui desbravando terreno, à medida de cada uma das suas vertentes – imprensa escrita, rádio, televisão -, e trabalhando mais afincadamente conforme os pedidos e as oportunidades de emprego. Posso dizer que já vi muitos projetos nascer e outros tantos morrer. O último a encerrar foi o jornal “A União”. Estamos sempre sujeitos.
 
E o jornalismo no feminino?
O mundo do jornalismo está cada vez mais povoado pelas mulheres. Nos últimos anos tive oportunidade de acompanhar o trabalho de alguns estagiários, sobretudo jovens do sexo feminino. Hoje em dia a maior parte está no ativo, apesar da conjuntura desfavorável para os jornalistas, mostrando-se muito competentes. Mas recordo-me de nos inícios dos anos 90, a redação do Diário Insular, por exemplo, só ter uma mulher entre tantos colegas masculinos. Havia, e estou certa que ainda há, muita estima.
 
Alguma vez sentiu que não lhe era dada a devida credibilidade por ser mulher?
Não tenho razões de queixa. As coisas fluíram naturalmente, ou seja, com base no diálogo e nos compromissos. Acredito no trabalho. Mas é claro que todos temos de zelar pelo objetivo principal do projeto em causa, sob pena de instalar-se o caos. O que sempre senti foi um “choque de gerações”. Não propriamente por ser mulher, visto que costumava ouvir várias vezes: “antes de tu nasceres já cá estávamos neste mundo”. Cheguei a cobrir desporto automóvel, à partida uma área confinada aos homens, assumindo que não dominava a matéria. Mas as missões eram cumpridas. Se um colega, masculino, faria melhor do que eu? Com certeza. Mas outra colega, feminina, também poderia fazê-lo.   
 
Já se sentiu discriminada?
Se algum dia isso aconteceu, provavelmente tratou-se de uma referência à minha fraca capacidade física. Estaremos a falar daquele conceito muito em voga “discriminação positiva”? Prefiro ver isto como um momento de atenção que tem a ver com a diferença entre as capacidades físicas de um homem e uma mulher. Não quero com isto dizer que uma mulher não é capaz de carregar uma garrafa de gás, por exemplo, mas se ela tem alternativa ou se um homem pode prestar-lhe ajuda, a minha pergunta é: qual o problema de aceitar isso? Temos de ter cuidado para não sermos a nossa própria discriminação. Se essa discriminação surge por parte do sexo oposto, é ridícula; mas se surge auto infligida pelas próprias mulheres, é repugnante. Vejamos bem as coisas: os homens são gerados por mulheres.
 
Sobre a violência doméstica
As mulheres e os homens vítimas de violência doméstica não o são por escolha, por opção. Ninguém o será aliás. Parece-me que são vistas com piedade e surge a pergunta inevitável do mero espetador quando toma conhecimento do seu drama: porque consente? E, depois, surgem outras perguntas a propósito desses casos, independentemente de tratarem-se de episódios pontuais ou duradouros: falaremos com essas pessoas acerca do amor, perdão, castigo ou ignorância? São vidas ainda mais complexas do que as comuns, pois trazem nos olhos diferentes perspetivas, quer estejamos a falar da vítima quer do agressor. E, no fundo, creio que a questão deve centrar-se enquanto problema social e cultural e não tanto de género. A dignidade humana é inalienável.
 
As associações de apoio à vítima.
O papel dessas associações são determinantes na nossa sociedade atual no que diz respeito ao apoio e à prevenção de casos de violência de género. Mas não deixemos o trabalho todo nas suas mãos. Essa missão é cultural e começa à mesa de cada família e nos “bancos” da escola.
 
Publicado na página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 19 de Julho de 2014
 

 

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