Sónia Bettencourt, entre a poesia e o
jornalismo
Fotografia de António Araújo
Sónia Marisa
Bettencourt Vieira tem 36 anos, é licenciada em Filosofia pela Universidade dos
Açores e desempenha actualmente a actividade de jornalista. No entanto a poesia
ocupa uma parte significativa da sua vida. Estreou-se com o lançamento do livro
“Pena e Pluma”, em 2003, edição de autor, reeditado em 2007, no Brasil, em
versão bilingue português/castelhano, pela chancela Demónio Negro. No mesmo ano
publicou “As Três Faces de Eva”, pela Corpos Editora. Com o conto "Mar
Vazio", venceu o Prémio Conto, categoria sénior, do Certame da Macaronésia
de Jovens Artistas, Canárias, em 2005. Publicou ainda outros contos em revistas
do Brasil e de Espanha, a par de revistas locais, mas sempre com as atenções
viradas para a América do Sul, por gostar de castelhano e acreditar que é um
idioma bastante significativo no contexto mundial.
Como
começou a escrever poesia?
O gosto pela poesia, e pelos livros em geral, surgiu durante a
adolescência, fase propícia aos primeiros rabiscos alusivos aos desgostos de
amor e às rebeldias sociais próprias da idade. Entretanto, a maioria dos meus
professores, dos diferentes anos de ensino, incentivou-me a trabalhar as
palavras em profundidade e a (re)ler bastante. A par disso sugeriram-me autores
e críticos literários, como Aquilino Ribeiro, Eduardo Lourenço e Umberto Eco,
e, até hoje, essas “coisas” da escrita têm sido uma descoberta contínua. Os
gostos pelos autores e pelos registos literários vão variando conforme os meus
estudos, as minhas vivências e a exigência pessoal aumentando a cada frase que
escrevo ou a cada poema. É caso para dizer que o perfecionismo é tramado! Posso
passar semanas à volta de uma vírgula. Trata-se apenas de uma vírgula, podem
dizer-me, mas a “minha” vírgula não pode ficar num sítio que não lhe pertence. Uma
vírgula mal colocada ou uma gralha num texto podem estragar-me um dia.
Presentemente, a maioria dos livros de “poesia” lançados nos últimos
tempos deixam muito a desejar. Há uma confusão tremenda entre poesia e
“palavras bonitas”. A primeira dá muito trabalho, e, como diz o outro “os dias
não estão para isso”, a segunda só permite dar luz a flores de plástico.
E
para si o que é a poesia?
Ainda não sei. Talvez amanhã saberei.
O
que a motivou a ser jornalista?
O jornalismo surgiu na minha vida, em primeiro lugar, pelo gosto da
escrita. Era a única maneira de escrever e ser paga por isso. Mas claro que é
muito mais do que isso. É informação, intervenção social, esclarecimento,
divulgação mesclada de chatices, pressões, ordenados precários e feira de
vaidades. Acrescente-se, obviamente, muito amor à camisola. Caso contrário
seria como ter uma profissão onde se perde mais do que se ganha. Hoje em dia o
jornalismo está bastante desvalorizado face à concorrência desleal, isto é, o
acesso fácil a microfones, máquinas fotográficas, câmaras de filmar, blogs e
outras plataformas fomentam a criação de pseudo-repórteres. É a chamada
“sociedade do espetáculo” em que todos querem ver e ser vistos. Depois fui
desbravando terreno, à medida de cada uma das suas vertentes – imprensa
escrita, rádio, televisão -, e trabalhando mais afincadamente conforme os
pedidos e as oportunidades de emprego. Posso dizer que já vi muitos projetos
nascer e outros tantos morrer. O último a encerrar foi o jornal “A União”.
Estamos sempre sujeitos.
E o
jornalismo no feminino?
O mundo do jornalismo está cada vez mais povoado pelas mulheres. Nos
últimos anos tive oportunidade de acompanhar o trabalho de alguns estagiários,
sobretudo jovens do sexo feminino. Hoje em dia a maior parte está no ativo,
apesar da conjuntura desfavorável para os jornalistas, mostrando-se muito
competentes. Mas recordo-me de nos inícios dos anos 90, a redação do Diário Insular,
por exemplo, só ter uma mulher entre tantos colegas masculinos. Havia, e estou
certa que ainda há, muita estima.
Alguma
vez sentiu que não lhe era dada a devida credibilidade por ser mulher?
Não tenho razões de queixa. As coisas fluíram naturalmente, ou seja,
com base no diálogo e nos compromissos. Acredito no trabalho. Mas é claro que
todos temos de zelar pelo objetivo principal do projeto em causa, sob pena de
instalar-se o caos. O que sempre senti foi um “choque de gerações”. Não
propriamente por ser mulher, visto que costumava ouvir várias vezes: “antes de
tu nasceres já cá estávamos neste mundo”. Cheguei a cobrir desporto automóvel,
à partida uma área confinada aos homens, assumindo que não dominava a matéria.
Mas as missões eram cumpridas. Se um colega, masculino, faria melhor do que eu?
Com certeza. Mas outra colega, feminina, também poderia fazê-lo.
Já
se sentiu discriminada?
Se algum dia isso aconteceu, provavelmente tratou-se de uma referência
à minha fraca capacidade física. Estaremos a falar daquele conceito muito em
voga “discriminação positiva”? Prefiro ver isto como um momento de atenção que
tem a ver com a diferença entre as capacidades físicas de um homem e uma mulher.
Não quero com isto dizer que uma mulher não é capaz de carregar uma garrafa de
gás, por exemplo, mas se ela tem alternativa ou se um homem pode prestar-lhe
ajuda, a minha pergunta é: qual o problema de aceitar isso? Temos de ter
cuidado para não sermos a nossa própria discriminação. Se essa discriminação
surge por parte do sexo oposto, é ridícula; mas se surge auto infligida pelas
próprias mulheres, é repugnante. Vejamos bem as coisas: os homens são gerados
por mulheres.
Sobre
a violência doméstica
As mulheres e os homens vítimas de violência doméstica não o são por
escolha, por opção. Ninguém o será aliás. Parece-me que são vistas com piedade e
surge a pergunta inevitável do mero espetador quando toma conhecimento do seu
drama: porque consente? E, depois, surgem outras perguntas a propósito desses
casos, independentemente de tratarem-se de episódios pontuais ou duradouros:
falaremos com essas pessoas acerca do amor, perdão, castigo ou ignorância? São
vidas ainda mais complexas do que as comuns, pois trazem nos olhos diferentes
perspetivas, quer estejamos a falar da vítima quer do agressor. E, no fundo,
creio que a questão deve centrar-se enquanto problema social e cultural e não
tanto de género. A dignidade humana é inalienável.
As
associações de apoio à vítima.
O papel dessas associações são determinantes na nossa sociedade atual
no que diz respeito ao apoio e à prevenção de casos de violência de género. Mas
não deixemos o trabalho todo nas suas mãos. Essa missão é cultural e começa à
mesa de cada família e nos “bancos” da escola.
Publicado na página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular
de 19 de Julho de 2014
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