sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

“És mesmo deficiente!”

 
 
És, acredita. Ora vê, já todos ouvimos falar dos conceitos oficiais da deficiência, que é preciso melhorar as acessibilidades, mas poucos se preocupam em saber como nós, deficientes, nos vemos. Muitos até acreditam que não temos noção do mundo. Hoje viemos apresentar o nosso próprio conceito, a nossa auto-imagem. Então foram questionadas umas quantas pessoas na ACM, tanto utentes como colaboradores, e colocamos a questão: O que é para ti ser deficiente? Um dos que respondeu foi o Duarte. Quem passou pela ACM já o deve conhecer. Ele disse: “Deficientes são pessoas como eu”, e “Como tu és?”, perguntamos. “Eu sou normal. Eu como, eu vou à casa de banho, faço a minha vida, faço tudo.” Insistimos: “Então por que achas que és deficiente?”, “Porque eles disseram”. Eles, no caso, outros deficientes, claro. Nenhum de nós quer estar sozinho. Chamamos mais um utente, o Valentim, e repetimos a pergunta. “Ser deficiente é ser igual a mim”.

E questionamos novamente: “Como tu és?”, “Não sou direito das pernas”. Para o Valentim e para o Telmo, outro dos nossos, não importa se a pessoa tem trissomia 21, autismo ou se lhe falta um braço, para eles, ser deficiente é andar sobre rodas. (E tu? Andas sobre rodas? perguntamos-te). A Lúcia, também utente, ao contrário dos outros, não se considera deficiente por usar rodas. À pergunta: “Ó Lúcia, achas que alguém aqui é deficiente?”, ela respondeu sem delongas: “Sim, és tu!”. E riu, porque sabe que tem razão. O Roberto disse que todos ali, sem exceção, são deficientes.

Entretanto a Carmen respondeu que ninguém ali o era. “Então por que achas que estás aqui e não numa escola?”, perguntamos-lhe. “Por causa do braço e da perna”, querendo dizer que são mais curtos de um lado que do outro. “E se não estivesses aqui, onde gostarias de estar?”, ela disse que na escola, mas que no entanto preferia estar na ACM. Perguntamos-lhe por quê. “Porque na escola eles chamam-me de deficiente”. Eles, mais uma vez. Ela aprendeu, a duras penas, que o termo ‘deficiente’ é considerado uma palavra feia, usado para ofender. Se nos chamam deficientes é porque querem dizer que somos feios e tortos, que nos babamos, que não servimos. Mas esquecemos o fato de que se sabes ler e não lês eficientemente, és deficiente. Se todos os dias usas rodas para te locomoveres de casa para o trabalho e do trabalho para o supermercado, és deficiente − ou te tornarás muito em breve. E se não sabes ouvir, não compreendes os outros, se não te consegues fazer compreender, diz, em que te diferes dos cegos, dos surdos, dos mudos? Foi-se o tempo em que os deficientes ficavam trancados em casa, quase escondidos, devido à ignorância, vergonha ou medo. Atualmente, nós vamos à escola, vamos ao trabalho, amamos, chateamo-nos, gargalhamos, dizemos mal uns dos outros − nenhum de nós é santo, convenhamos. Portanto, nada de olharmos para outro deficiente e dizer ‘Coitadinho!’. Não somos coitadinhos. Nada de dizer que um deficiente não serve para nada. Nós podemos fazer muitas coisas. Na ACM, por exemplo, andamos a cavalo, fazemos yoga, jogamos boccia, praticamos vela, vamos à piscina, pintamos quadros, ajudamos na cozinha, na lavandaria, praticamos jardinagem, cuidamos da horta, tomamos conta do bar, usamos o computador. Vá lá, tu és deficiente, mas consegues perceber que, como disse o Duarte, somos pessoas normais, não somos?

 
Bianca Mendes / Vanessa Dias
Técnicas Superiores da ACM – Associação Cristã da Mocidade
 
 
Publicado na Página IGUALDADE XXI no jornal Diário Insular de 21 de Dezembro de 2013.
 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário