És, acredita. Ora vê, já
todos ouvimos falar dos conceitos oficiais da deficiência, que é preciso
melhorar as acessibilidades, mas poucos se preocupam em saber como nós,
deficientes, nos vemos. Muitos até acreditam que não temos noção do mundo. Hoje
viemos apresentar o nosso próprio conceito, a nossa auto-imagem. Então foram
questionadas umas quantas pessoas na ACM, tanto utentes como colaboradores, e
colocamos a questão: O que é para ti ser deficiente? Um dos que respondeu
foi o Duarte. Quem passou pela ACM já o deve conhecer. Ele disse: “Deficientes
são pessoas como eu”, e “Como tu és?”, perguntamos. “Eu
sou normal. Eu como, eu vou à casa de banho, faço a minha vida, faço
tudo.” Insistimos: “Então por que achas que és deficiente?”, “Porque
eles disseram”. Eles, no caso, outros deficientes, claro. Nenhum de
nós quer estar sozinho. Chamamos mais um utente, o Valentim, e repetimos a
pergunta. “Ser deficiente é ser igual a mim”.
E questionamos novamente: “Como
tu és?”, “Não sou direito das pernas”. Para o Valentim e para o Telmo,
outro dos nossos, não importa se a pessoa tem trissomia 21, autismo ou se lhe
falta um braço, para eles, ser deficiente é andar sobre rodas. (E tu? Andas
sobre rodas? perguntamos-te). A Lúcia, também utente, ao contrário dos outros,
não se considera deficiente por usar rodas. À pergunta: “Ó Lúcia, achas que
alguém aqui é deficiente?”, ela respondeu sem delongas: “Sim, és tu!”.
E riu, porque sabe que tem razão. O Roberto disse que todos ali, sem
exceção, são deficientes.
Entretanto a Carmen
respondeu que ninguém ali o era. “Então por que achas que estás aqui
e não numa escola?”, perguntamos-lhe. “Por causa do braço e da perna”,
querendo dizer que são mais curtos de um lado que do outro. “E se não
estivesses aqui, onde gostarias de estar?”, ela disse que na escola,
mas que no entanto preferia estar na ACM. Perguntamos-lhe por quê. “Porque
na escola eles chamam-me de deficiente”. Eles, mais uma vez. Ela
aprendeu, a duras penas, que o termo ‘deficiente’ é considerado uma palavra
feia, usado para ofender. Se nos chamam deficientes é porque querem
dizer que somos feios e tortos, que nos babamos, que não servimos. Mas esquecemos
o fato de que se sabes ler e não lês eficientemente, és deficiente. Se todos os
dias usas rodas para te locomoveres de casa para o trabalho e do
trabalho para o supermercado, és deficiente − ou te tornarás muito em
breve. E se não sabes ouvir, não compreendes os outros, se não te consegues
fazer compreender, diz, em que te diferes dos cegos, dos surdos, dos mudos?
Foi-se o tempo em que os deficientes ficavam trancados em casa, quase
escondidos, devido à ignorância, vergonha ou medo. Atualmente, nós vamos
à escola, vamos ao trabalho, amamos, chateamo-nos, gargalhamos, dizemos
mal uns dos outros − nenhum de nós é santo, convenhamos. Portanto, nada de
olharmos para outro deficiente e dizer ‘Coitadinho!’. Não somos
coitadinhos. Nada de dizer que um deficiente não serve para nada. Nós
podemos fazer muitas coisas. Na ACM, por exemplo, andamos a cavalo, fazemos
yoga, jogamos boccia, praticamos
vela, vamos à piscina, pintamos quadros, ajudamos na cozinha, na
lavandaria, praticamos jardinagem, cuidamos da horta, tomamos conta do
bar, usamos o computador. Vá lá, tu és deficiente, mas consegues perceber que,
como disse o Duarte, somos pessoas normais, não somos?
Bianca
Mendes / Vanessa Dias
Técnicas Superiores da ACM – Associação Cristã da Mocidade
Publicado na Página IGUALDADE XXI no jornal Diário Insular
de 21 de Dezembro de 2013.
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