quarta-feira, 1 de setembro de 2010

PODER MUDAR

(Imagem retirada de http://www.freewebs.com/)



Durante, sensivelmente, 3 meses, na UMAR – Açores, Delegação da Terceira, decorreu o Programa de Intervenção em Grupo para Mulheres Sobreviventes de Violência Doméstica, intitulado “Poder Mudar”. O mesmo, constituído por 14 sessões, realizadas semanalmente, com duração variável de 2horas, resultou da colaboração entre feministas e profissionais de 5 países (Estónia, Portugal, Itália, Reino Unido e Hungria) que participaram no Projecto Daphne “Survivors speak up for their dignity – supporting victims and survivors of domestic violence, 2007 – 2009”, promovido pela Comissão Europeia. Tendo sido adaptado pelas técnicas da UMAR, este Programa visou, sobretudo, a promoção da auto – estima das participantes, assumindo que as mesmas trabalhando em conjunto num espaço seguro, amigável e livre de juízos de valor, mudam as suas vidas para melhor.
Os assuntos abordados e trabalhados centraram-se, principalmente, nos direitos, necessidades, estereótipos de género, limites, emoções e assertividade.
Entre entradas e saídas, o grupo contou com a presença comprometida de mulheres, surpreendentemente, todas na casa dos 50 anos de idade e casadas com parceiros abusivos aproximadamente 3 décadas.
O projecto de vida destas mulheres incluía a conjugalidade e a maternidade como principais fontes de realização pessoal; sonho comummente partilhado pelo género feminino e promovido pelas sociedades judaico – cristãs mais devotas. Após investirem “mundos e fundos” na relação e darem literalmente tudo de si, chegou o dia em que se colocaram em 1º lugar e decidiram, com firmeza, começar a calcetar a sua própria estrada, processo extremamente difícil, sobretudo para uma mulher, dado que calcetar não é ofício associado ao género feminino, o que, por sua vez, poderá atrair inúmeros olhares menos empáticos.
Durante anos estas mulheres foram tratadas como seres de 2ª categoria, tanto familiar como socialmente, disseram-lhes que não valiam nada, que eram incapazes, que eram culpadas por todo o mal que existe no planeta, espancaram-lhes o corpo e a mente; inevitavelmente a sua auto – estima foi mutilada. Mas, como verdadeiras sobreviventes que são, cá estão, a lutar por uma vida mais digna.
Na primeira pessoa referem que a frequência deste programa teve um efeito bastante positivo sobre si: “aprendi a ser eu, como sou e não como os outros querem que eu seja”, “aprendi a gostar mais de mim, antes sentia-me como um trapo, um objecto que era usado e deitado fora, agora já não… agora já sou capaz de dizer «Ei! Eu também sou gente».”
A necessidade de encontrar respostas às questões: “Porquê a mim? O que fiz para merecer isto?” infelizmente não pôde ser satisfeita, mas sim apaziguada com a sabedoria e o amadurecimento que o sofrimento traz. Realmente não é possível encontrar resposta porque nada justifica a violência, apenas se pode recorrer à experiência como um dos mais fortes aliados para não se ver aprisionada na espiral dos maus-tratos novamente.
A partilha das suas histórias de vida com outras mulheres que já passaram por situações semelhantes revelou-se catártica e terapêutica por si só, ajudou-as a sentirem-se compreendidas e a ultrapassar a sensação de “caso único” ou de que teriam alguma perturbação, quando na verdade se tratam de pessoas perfeitamente normais que passaram por situações de vida anormais, com todas as consequências que isso pode acarretar.
Relativamente às mudanças percepcionadas, de um modo geral, todas se sentem mais confiantes: “Tenho que defender o meu «eu»”, “não posso pôr sempre os outros em primeiro lugar”, “agora sei que tenho de defender os meus direitos”.
Talvez não estejam completamente ultrapassados os sentimentos de culpa, vergonha, raiva, tristeza, medo… mas estas “mulheres-coragem” caminham no sentido da progressiva recuperação da sua auto-estima. Visivelmente mais “empoderadas”, conhecedoras dos seus direitos, das suas necessidades, dos seus limites, das suas emoções e também de formas mais assertivas de ser e agir, manifestam um lampejo de esperança: “aprendi que há uma vida para a frente, tenho que procurá-la”.

Rita Ferreira / Raquel Fontes


Publicado na página Igualdade XXI do Jornal Diário Insular de 1 de Setembro de 2010

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