quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Quem tem medo dos feminismos?

ManuelaTavares
Investigadora em Estudos sobre as Mulheres
Membro da Direcção da UMAR

Encontro Formativo da UMAR Açores em Ponta Delgada - Setembro de 2010


Quem tem medo dos feminismos?
Este não é só o título das actas do Congresso Feminista 2008 organizado pela UMAR na Fundação Calouste Gulbenkian, que teve a participação de mulheres açoreanas. Esta pergunta procura também desconstruir uma ideia feita sobre um feminismo guetizado, marginalizado, onde só cabem algumas mulheres, vistas como “aquelas radicais que fazem dos homens o seu inimigo”. As feministas consideram que existe um sistema de desiquilíbrio de poderes entre mulheres e homens na sociedade e um modelo de uma masculinidade hegemónica que atinge as mulheres e também os homens que não se identificam com tal modelo.
No encontro formativo da UMAR/Açores realizado em Setembro, em Ponta Delgada, envolvendo mulheres do Faial, Teceira e S. Miguel foi possível debater os percursos históricos dos feminismos e os desafios que se colocam na actualidade. Uma das conclusões deste encontro foi a visão de que o feminismo é um movimento plural onde coexistem várias correntes. Deste modo, a amplitude dos feminismos implica a inclusão de todas as mulheres ou até de homens que têm a consciência das discriminações que ainda pesam sobre as mulheres.
Mas será que ainda tem sentido valorizar o feminismo como uma perspectiva de luta e de movimentação social, ou estaremos perante um paradigma ultrapassado? São os quotidianos das mulheres de diversos sectores sociais que nos mostram os desiquilíbrios de poder entre mulheres e homens, que ainda existem na sociedade, apesar do avanço no estatuto das mulheres nas últimas três décadas. Deste modo, a actualidade das lutas feministas pelos direitos e pela alteração das mentalidades resulta das situações vividas pelas mulheres, que sofrem violência, que são assassinadas por maridos, companheiros, ex-companheiros ou namorados, que são discriminadas no trabalho, que continuam a assumir duplas e triplas tarefas em casa e na família. A consciência da existência destas discriminações de género faz de cada mulher uma feminista, apesar das resistências que surgem em torno de um feminismo tácito, ainda não plenamente assumido. Constatamos, que cada vez um maior número de mulheres percorre os caminhos de um feminismo tácito para um feminismo assumido. E este caminho só pode resultar numa mais valia para toda a sociedade.

Publicado na Página IGUALDADE XXI do Jornal Diário Insular de 27 de Outubro de 2010

CASAMENTO PARA TOD@S...


Durante o último ano, assistimos a uma alteração muito importante na legislação portuguesa. De facto, até há poucos meses, o casamento apenas era permitido entre pessoas de sexo diferente, o que impossibilitava aos casais de gays e lésbicas poderem contrair matrimónio. Com a Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio, esta situação inverteu-se e já é possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A Constituição da República Portuguesa, no artigo 13.º, n.º 1, refere que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Já o n.º 2 do mesmo artigo menciona que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. É verdade que a última parte deste número, referente à orientação sexual, só foi introduzida com a alteração constitucional de 2004, mas mesmo assim foram precisos vários anos para que se reconhecesse a possibilidade de pessoas do mesmo sexo poderem casar-se e assim “constituir família mediante uma plena comunhão de vida” (artigo 1577.º do Código Civil).
Na verdade, até ao presente ano apenas se admitia a possibilidade de gays e lésbicas viverem em união de facto, com os privilégios legais que a tal regime estão cometidos. No entanto, os direitos provenientes do casamento e que não podem ser adquiridos por nenhum outro tipo de contrato, como é exemplo a possibilidade de se ser herdeiro, estavam vedados aos gays e lésbicas, o que originava situações de casais que viviam em união de facto há inúmeros anos, partilhando verdadeiramente a sua vida, e que, aquando do falecimento de um dos membros do casal, o outro via-se com acesso interdito ao património do parceiro/a (só sendo possível a elaboração de testamento a favor do parceiro/a, mas como as limitações impostas pela nossa lei, que prevê a obrigatoriedade de uma parcela de bens serem atribuídos, em caso de morte, a certas pessoas: o cônjuge, os descendentes e os ascendentes).
Sendo Portugal um estado laico e estando previsto o casamento civil, em contraposição ao casamento católico, não fazia sentido que fosse o mesmo vedado aos casais de gays e lésbicas, pois a sua definição (de casamento) é ser um contrato celebrado entre duas pessoas, no qual as partes assumem determinados direitos e obrigações. Não havia uma justificação para que esse contrato tivesse de ser celebrado entre pessoas de sexo diferente, o que foi agora aceite e demonstrado (na verdade, quando perante a religião, como é a católica, percebemos, sem contudo concordarmos, que adstrito à noção de casamento esteja a de procriação, mas tal não pode ser motivo para o acesso ou não ao casamento civil). A sociedade evoluiu e, com ela, a concepção sobre determinadas institutos. É o caso do conceito de família que, até há alguns anos incluía um pai, uma mãe e filhos, e que, agora, pode incluir apenas um pai ou uma mãe, como dois pais ou duas mães. Assim, e porque associado ao conceito de família está o de casamento, este também tem de agrupar as diferenças existentes na nossa sociedade.
Além disso, socialmente o casamento é mais do que um contrato, sendo o reconhecimento de que uma pessoa escolheu outra para partilhar a sua vida. Não interessa qual o sexo da pessoa que se escolhe, o que interessa é ser-se um casal e poder-se demonstrá-lo perante todos, sem qualquer tipo de vergonha ou medo.
Assim, consideramos que o nosso legislador deu mais um passo na direcção de uma sociedade justa e igualitária, tentando-se que a sociedade portuguesa seja um lugar onde a discriminação seja apenas mais uma palavra no dicionário e não uma constante na vida das pessoas. Na realidade, algo que possa parecer com importância diminuta, para todos aqueles que até agora já podiam casar com aquela pessoa que escolheram para partilhar a vida e poder dizer com orgulho “este é o meu marido” ou “esta é a minha mulher”, é de especial relevância para quem não tinha esse direito.

Bárbara Guimarães (Jurista da Delegação da UMAR Açores na Ilha Terceira)

Publicado na página IGUALDADE XXI do Jornal Diário Insular de 27 de Outubro de 2010

terça-feira, 26 de outubro de 2010

As Mulheres e o Centenário da República

Carolina Beatriz Ângelo

Celebra-se este ano o centenário da República, implantada em 1910, ano em que teve também inicio a primeira vaga do feminismo em Portugal. Começou-se a exercer o dever e direito de cidadania que era eleger o presidente através de votação. Contudo, tal como outros, este direito estava interdito às mulheres, e muitas foram as sufragistas que lutaram para conseguir a igualdade. Entre elas, é importante recordar Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar em Portugal nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte a 28 de Maio de 1911. Na altura a lei determinava que podiam votar os cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler, escrever e fossem chefes de família. Como estava viúva e era mãe, Carolina invocou a qualidade de chefe de família, preenchendo então todos os requisitos. Conseguiu que o tribunal lhe concedesse o direito a voto, uma vez que o plural “cidadãos portugueses” inclui masculino e feminino. Tratou-se de um acto arrojado, mesmo a nível europeu! Como consequência a lei foi alterada no ano seguinte, passando a dizer explicitamente que apenas os chefes de família do sexo masculino poderiam votar. Esta discriminação manteve-se e o sufrágio universal em Portugal só foi conquistado após o 25 de Abril de 1974.

Rita Ferreira

Publicado na página IGUALDADE XXI no jornal Diário Insular de 27 de Outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Mulheres continuam a ser as grandes vítimas de violência

CLARISSE CANHA, LÍDER DA UMAR NOS AÇORES

A UMAR-Açores promove na ilha Terceira uma ação sobre violência de género. O tema é assim tão grave na nossa sociedade que justifique uma abordagem específica?
Começaremos por algumas referências ao Estudo sobre a Violência de Género nos Açores realizado em 2008 assim como o Plano Regional de Combate à Violência Doméstica (PRCVD). Este Plano considera que o "inquérito sobre a Violência de Género nos Açores" possibilitou um melhor conhecimento sobre a prevalência real do fenómeno na Região, bem como, confirmou que nos Açores, como em qualquer outro lugar, a violência doméstica, vitima diversos sub-universos de pessoas, sejam adultas ou crianças, sejam do sexo masculino ou feminino. Atendendo que, no entanto, as mulheres continuam a ser o grupo onde se verifica a maior parte das situações de violência doméstica, assumindo-se assim, claramente, como uma questão de violência de género.
A escolha deste tema para este Encontro Formativo tem a ver com o facto de que a violência de género é uma realidade que afeta, com grande peso, a nossa sociedade. A consciência do problema leva-nos a intervir no sentido da sua erradicação, assim como no plano do apoio às vítimas, neste caso as mulheres, as mulheres vitimas de violência de género, sobretudo a violência doméstica.
O Encontro Formativo "Violência de Género: Saber e Agir" - Perspetivas atuais da intervenção e investigação em violência de género, do dia 22 de outubro, na Terceira, vai pois debater esta problemática do ponto de vista da intervenção, aprofundando conhecimentos (saber) e a intervenção (agir).
Quais as principais formas de violência de género identificadas nos Açores e a que causas principais estão associadas?
Nos Açores uma das principais formas de violência de género acontece no âmbito da família e nas relações de intimidade - a violência doméstica.
A UMAR está a desenvolver um projeto sobre igualdade e diversidade, no qual se enquadra a temática da violência de género. Que entraves principais ainda hoje se detetam na nossa sociedade no respeito pela diversidade e na promoção da igualdade?
O Projeto Igualdade e Diversidade pretende promover formação, debate e reflexão sobre as questões da igualdade de género, através de Temas e Encontros Regionais em 3 ilhas: São Miguel, Terceira e Faial. A iniciativa na Terceira, inclui o Encontro Formativo do dia 22 de outubro, aberto às pessoas interessadas que se podem inscrever. No dia seguinte, dia 23, decorre um encontro de reflexão da UMAR-Açores onde nos vamos debruçar sobre a experiência da UMAR na área da violência doméstica - violência de género no espaço doméstico.
A UMAR vem a trabalhar desde há vários anos as questões relativas à promoção da mulher. A evolução tem sido positiva ou nem por isso?
A evolução das últimas décadas sobre a igualdade entre as mulheres e os homens deu-se a nível das leis, da realidade e das mentalidades, numa grande caminhada protagonizada por movimentos sociais como o movimento feminista, abrindo-se caminhos e novos espaços de intervenção. A afirmação dos direitos das mulheres e da igualdade entre homens e mulheres (igualdade de género) requer ainda mais ação, pelo que projetos como este continuam a fazer falta para aprofundar os caminhos com vista a uma sociedade justa e igualitária.

Entrevista Publicada no Jornal Diário Insular de 14 de Outubro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Encontro Violência de Género: Saber e Agir a 22 de Outubro em Angra do Heroísmo



No âmbito do Projecto da UMAR Açores Igualdade e Diversidade realiza-se no próximo dia 22 de Outubro de 2010, Sexta-Feira, o Encontro Violência de Género: Saber e Agir - Perspectivas actuais da intervenção e investigação em violência de género.

A Formadora será a Professora Doutora Maria José Magalhães, Presidente da UMAR, Investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da FPCE - UP e Docente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.

O encontro formativo realizar-se-á na ESEAH - Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo na Sala n.º 1, na Canada dos Melancólicos das 9:30h às 12:30h e das 13:30h às 17:30h.

Aceitam-se inscrições, através do fax: 295 217 861 ou e-mail: umarterceira@gmail.com, até ao próximo dia 18 de Outubro de 2010 (2ª feira) tendo em conta a capacidade da sala.

Inscrevam-se e divulguem.

UMAR Açores / Cipa – Delegação da Ilha Terceira
Edifício da Recreio dos Artistas - Rua da Rosa s/n 1º Andar
9700 Angra do Heroísmo
Telefone: 295 217 860 / Fax: 295 217 861 / Telemóvel: 968687479
E-mail: umarterceira@gmail.com

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Jovens mais sensíveis para a discriminação





"Crescer sem Discriminar" é um programa que a UMAR acaba de lançar para sensibilizar as crianças e jovens nas escolas para a problemática da discriminação. Rita Ferreira, psicóloga da UMAR, considera que ainda há muito por fazer nesse domínio.

A UMAR-Açores tem um novo programa denominado "Crescer sem Discriminar" que se destina aos alunos do ensino básico e secundário. Quais são os objetivos desse programa que visa a promoção da cidadania e igualdade?
O objetivo principal deste programa é sensibilizar os alunos e alunas para a não discriminação das pessoas independentemente do seu género, etnia ou cultura, orientação sexual ou situação de deficiência.
A ênfase é dada na questão do género, uma vez que é esta a especificidade da UMAR e se trata de uma questão transversal a todas as outras.
Uma pessoa imigrante, pertencente a uma minoria sexual ou portadora de deficiência sofre mais discriminação se for mulher do que se for homem.
Este programa surge do alargamento das áreas de intervenção do Centro de Informação, Promoção e Acompanhamento de Politicas de Igualdade, entidade gerida pela UMAR-Açores, na Terceira.

De que modo a que as escolas podem receber o vosso programa. Quais as ações que estão programadas?
O nosso programa tem sido divulgado nos órgãos de comunicação social e junto das escolas. Está adaptado para diversos contextos de ensino: básico, secundário ou até profissional.
Quem estiver interessado, pode contactar-nos e solicitar a realização do programa integralmente ou apenas algumas sessões conforme as necessidades do público-alvo.
Estão programadas quatro sessões sobre prevenção da discriminação em função do género, orientação sexual, etnia ou cultura e deficiência. Poderá ser realizada uma sessão extra, dirigida a educadores, professores, pais ou mães, encarregados de educação, onde explicamos o trabalho que será desenvolvido com os educandos.

As crianças e jovens são hoje mais tolerantes com a diferença e para a igualdade ou há ainda um longo caminho a percorrer nesse sentido?
Verifica-se que ainda há um caminho longo a percorrer porque fenómenos como o bullying são disso exemplo. As crianças são por vezes bastante cruéis umas com as outras e em determinadas situações, mesmo que subliminarmente, passam comportamentos de discriminação.
Outro fenómeno que se verifica é a grande incidência de violência no namoro, o que se pode de certa forma relacionar com a violência de género.
A intervenção no sentido da prevenção da discriminação e promoção da igualdade é uma área premente, e a população jovem por revelar maior abertura e recetividade apresenta-se como um público-alvo prioritário e privilegiado para a intervenção.

Outro programa desenvolvido pela UMAR destinado a crianças e jovens das escolas tem como temática a educação sexual. Como está a decorrer esse programa?
Este programa de Educação Afectivo-Sexual tem vindo a ser implementado desde o ano letivo de 2007/2008 e veio de certa forma dar uma resposta que não existia nas escolas, apesar da Educação Sexual estar prevista na legislação, desde 1984.
Trata-se de um programa bastante completo, uma vez que veio introduzir além da educação sexual por si só, a componente afetiva, de sentimentos, de desenvolvimento emocional, a componente de igualdade de género, tentando desconstruir já junto das crianças estereótipos sexistas ainda muito presentes na sociedade e também a componente de prevenção do abuso sexual de menores.
Ao longo dos últimos três anos letivos recebemos inúmeras solicitações para realizar o programa, primeiro nas escolas primárias com o primeiro ciclo, depois adaptando e alargando ao terceiro ciclo, ensino profissional e outros contextos como a Associação Cristã da Mocidade (ACM), junto de uma população-alvo com necessidades especiais.

Situação das mulheres

Sendo a UMAR uma associação vocacionada para a proteção dos direitos das mulheres como se caracterizar a situação da Terceira nesse domínio tendo em conta a vossa experiência?
A UMAR é uma associação vocacionada para a defesa dos direitos das mulheres e para o seu empoderamento enquanto pessoas. Temos também como missão alertar para as situações de discriminação, promovendo uma maior consciência social e dar visibilidade ao papel da mulher nas várias áreas da sociedade, como é por exemplo o trabalho das mulheres na pesca.
Relativamente à situação da Terceira, verificamos que a maioria das mulheres ainda permanece muito centrada na esfera privada do lar, da família, de modo que há um longo caminho ainda a percorrer para que a sua participação na esfera pública da sociedade terceirense se assemelhe à dos homens.
Outra das nossas vertentes é intervir na problemática da Violência de Género e Violência Doméstica, uma vez que recebemos mulheres vítimas no nosso Centro de Atendimento, a quem prestamos apoio jurídico, psicológico e social.
Também chegamos a receber situações de discriminação no trabalho. Na Terceira, verificamos que ainda há uma grande incidência de violência doméstica sobre as mulheres, o que se trata na verdade de uma questão de violação de direitos humanos.
Neste sentido, é importante trabalhar na prevenção e na sensibilização para a denúncia, uma vez que se trata de um crime.

Entrevista Publicada no Jornal Diário Insular de 3 de Outubro de 2010