DESAFIOS E CONQUISTAS DE LETÍCIA TOSTE
Este mês entrevistamos Letícia Margarida Tavares de
Couto de Borba Toste, de 47 anos de idade e nascida em 29 de Janeiro de 1968.
Tem o 12º ano de escolaridade e trabalha como funcionária publica, na categoria
de coordenadora técnica. No entanto, o que nos levou a entrevistá-la, foi a
forma extraordinária como tem vencido os desafios, que se tem proposto atingir,
na natação de longo curso e em mar aberto.
- Como começou e o que a
motivou a participar em provas de natação? Que idade tinha?
Desde
cedo que sempre tive uma paixão pelo mar. Aprendi a nadar aos 8 anos de idade
na praia do Porto-Pim na ilha do Faial e nunca mais parei. Os verões, na
minha adolescência, eram passados essencialmente na zona balnear da Silveira.
Nessa altura observava atenta e admiravelmente o Duarte Simões, que também é
companheiro das travessias, a fazer a travessia até ao cais dos soldados, no
Monte-Brasil. "Um dia tenho que fazer isso", pensava eu porque sempre
adorei o mar e a natação sempre foi umas das minhas paixões. Mas o facto é que
tinha algum receio de ir sozinha, então ia nadando junto à costa até quase ao
Fanal e voltava estivesse o mar como estivesse ou então nadava até a uma rocha
que se ergue a alguns metros da Silveira a que nós chamamos de
"martelo", vezes sem conta.
- O que a fez entrar na
prova de natação da travessia Faial/Pico? Foi a única mulher?
Relativamente
as grandes travessias, tudo começou em 2013, tinha eu 45 anos, com um desafio
do meu amigo Victor Medina, o mentor destas loucuras, também por influência do
Duarte. O desafio era então nadar dos ilhéus das cabras até Angra. Chamei-o de
doido para baixo, disse-lhe que havia muitas águas-vivas e que não ia e como é
óbvio nem me preparei para tal evento. O que foi certo é que ao aproximar-se o
dia 23 de Julho, dia marcado para a prova comecei a pensar mais seriamente no
assunto e o bichinho da natação falou mais alto e lá "apresentei-me ao
serviço" naquela manhã no Porto-Pipas e lá fui eu de semi-rígido até aos
ilhéus. Fui a 1ª mulher a realizar esse feito e fi-lo em 4H 55min. Nesse ano
também, no mês de Agosto e inserida nas festas de S. Mateus, efetuei outra
travessia, a da Silveira - S. Mateus sempre na companhia dos mesmos nadadores.
Já nesse ano ficou combinado que em 2014 a próxima travessia seria a do canal
no sentido Pico-Faial e ficou agendada para o dia 02 de Agosto também inserida
nas festas da cidade da Horta, a Semana do Mar. Nasceu então o nome do grupo
“NADAR AÇORES”. Fiquei um pouco ansiosa só de pensar nisso, mas com muita
vontade para o fazer uma vez que mais nenhuma outra mulher o tinha feito nos
Açores. Posto isto, a preparação física para essa travessia começou mais cedo.
E assim foi, no dia 02 de Agosto saímos do Pico pelas 10:00h. O mar
apresentava-se contra nós, estava mal disposto, com ondas impróprias para a
natação de longa distância mas esse facto não nos impediu de a querermos realizar
e lá fomos nós à conquista das ondas com o único objetivo - nadar os 9 km que
nos separavam da ilha do Faial e chegar à outra margem. E lá cheguei eu após
3:45h, em menos tempo que a travessia dos ilhéus. Sou realmente a 1ª e a única
mulher nos Açores a ter efetuado semelhante feito. Atualmente estão agendadas
outras duas travessias, a 1ª para o dia 27 de Julho. O objetivo é
nadarmos os 20km que separam as ilhas de S. Jorge - Pico. Os locais escolhidos
de ambos os lados são Velas - S. Roque e a 2ª, no dia 31 do mesmo mês,
repetir o outro canal mas no sentido inverso, desta feita Faial-Pico.
- Sendo uma prova
essencialmente virada para os praticantes do sexo masculino, como foi a sua
integração? Quais as principais dificuldades que sentiu/enfrentou?
A
minha integração não podia ter sido melhor. Sou muito sociável também o que
ajuda bastante. Os meus companheiros de travessias são do melhor que possa
existir, são muito bem-humorados também, não senti qualquer resistência nem
dificuldade por parte deles, muito pelo contrário, sempre me deram apoio, reina
entre nós um espírito de entreajuda psicológica o que é fabuloso.
- Alguma vez sentiu na prática
desse desporto, que não lhe era dada a devida credibilidade por ser mulher?
Nunca
senti isso por parte de ninguém do grupo. Se isso foi realmente sentido por
parte de alguns dos elementos ficou no segredo de cada um, mas penso não ser
verdade.
- Já alguma vez se
sentiu discriminada pelo facto de ser mulher?
Desde
cedo que sempre fiz valer a todos com quem eu me relacionava que ser mulher não
era sinónimo de ser frágil, indefesa ou com menos qualidade. Manifestei muito
isso através das brincadeiras de criança e depois mais tarde nas práticas
desportivas e em outras áreas. Era e ainda é importante para mim mostrar que as
mulheres, sendo sem dúvida mais fracas fisicamente que os homens, não
invalidava nem invalida que sejam capazes de muitas proezas num mundo que hoje
está, felizmente, menos masculino. E respondendo à pergunta, felizmente que não
tenho sentido isso, talvez pela minha imposição e esforço perante esse fato.
- Como acha que são
vistas as mulheres vítimas de violência doméstica na sociedade em geral?
As
mulheres vítimas de violência doméstica são vistas como seres indefesos e muito
frágeis. São mulheres que não tiveram oportunidades de mostrar o quanto são
válidas o que acaba por dar uma impressão pouco fidedigna das suas capacidades
a vários níveis da sua vida. Há também, infelizmente, quem ache que até merecem
ser agredidas por terem uma ou outra atitude que possa ir contra as vontades de
cada um. Isso é horrível, é uma falta de respeito ao mais baixo nível.
- Acha que as associações
feministas, como a UMAR Açores e outras, desempenham um papel importante na
nossa sociedade atual?
Associações
como a UMAR são um exemplo de solidariedade social deveras notável. Desempenham
um papel consideravelmente valoroso de prestação de: apoio, informação,
cuidados e encaminhamento de muitas mulheres em situações extremas e não só, de
maus tratos físicos e psicológicos e em situações sociais muito precárias.
Embora estejamos a viver numa época de grande informação a todos os níveis, continuamos
a verificar, para nosso espanto, que a violência contra as mulheres continua a
um nível elevado que, a meu ver, já não deveria existir uma vez que o que não
falta são meios de divulgação públicos para a sensibilização dessas e outras
práticas de maus tratos.
Pedimos
à nossa entrevistada, que elaborasse uma questão, a que gostasse de responder e
resultou assim ...
- Se fosse multimilionária, como acha que poderia ajudar no combate a esse
tipo de situações sociais?
Se eu tivesse assim tanto dinheiro
faria principalmente duas coisas: a 1ª seria criar uma instituição de apoio a
crianças abandonadas ou com situações de vida muito precárias.
Proporcionava-lhes todo o tipo de apoio para que essas crianças tivessem todas
as oportunidades de uma vida equilibrada, justa e feliz, a 2ª seria criar
igualmente uma instituição de apoio as mulheres vítimas de violência e
descriminação social para que do mesmo modo obtivessem as melhores condições
para uma vida digna.
Obrigado
Letícia, pelo exemplo que dá a muitas mulheres, de que os desafios só
significam algo, quando são um objetivo a atingir, uma conquista!
Publicado na página
IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 8 de Julho de 2015
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