Tanto nas redes sociais como em diversos textos
jornalísticos, foi muito debatido um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,
que fundamentava a sua decisão, com a argumentação de que a sexualidade depois
dos cinquenta anos já não tem a importância que assume em idades mais jovens,
importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança, relativamente
a uma mulher que na sequência de uma intervenção cirúrgica ficou inibida de ter
relações sexuais, ficando ainda com outras lesões, nomeadamente incontinência,
nevralgias e todo um mal estar constante e generalizado.
Como facilmente se constata, pela leitura atenta de todo o
debate, que a referida afirmação despoletou, estamos a falar apenas da
sexualidade no feminino.
No entanto, há uma outra afirmação que passou despercebida,
provavelmente pelo facto de não versar a sexualidade, tema demasiado fácil para
despertar a atenção dos intervenientes, mas de igual gravidade. (Não é
por acaso, que em certas faculdades, quando as associações académicas
necessitam de alertar os estudantes para alguma temática, elaboravam um cartaz
com a palavra "sexo" em letras garrafais e depois escreviam em letras
de tamanho mais reduzido, "agora que captamos a vossa atenção, gostaríamos
de alertar para ...".)
O mencionado acórdão, refere num dos seus parágrafos e no
que concerne à necessidade de contratação de uma empregada doméstica a tempo
inteiro, que atenta a idade dos filhos da visada, a mesma apenas teria de
cuidar do seu marido...
Esta afirmação, está associada a uma tradição resultante de
anos de educação e de socialização, aliados à obrigação moral e que são
transmitidos para todas as meninas, de que o papel principal da mulher é o de
cuidadora.
Este papel da mulher enquanto cuidadora de filhos, marido,
pais e sogros, está de tal forma enraizado, que a referida afirmação, passou
completamente despercebida no referido artigo, não tendo gerado qualquer
polémica (pelo menos na pesquisa que efetuei, não encontrei qualquer
referência.).
Reduzir o papel da mulher, a ser mãe, filha e esposa, é
muito comum numa sociedade como a nossa, onde até pessoas com formação
académica e com uma profissão que decide a vida de muitas mulheres, reduzem o
papel da mulher, quando os filhos já estão crescidos, ao cuidar do marido, ou
seja, a mulher apenas existe enquanto associada a alguém que necessite do seu
cuidado ...
Mas ainda mais grave, é que na elaboração deste acórdão interviu
uma mulher, que consentiu por omissão ou por ação, que esta expressão fizesse
parte de uma fundamentação tradicionalmente redutora do papel da mulher, tanto
na família como na sociedade.
Ainda hoje, mesmos em famílias de casais jovens, na casa
dos vinte e trinta anos, ainda se ouvem expressões, como "o meu marido
ajuda ...", seja no cuidar dos filhos, seja nas atividades domésticas.
Esta expressão, tem como premissa que as referidas tarefas são da mulher e ele
deve ser beatificado por "ajudar", de forma esporádica e
condescendente.
Ainda relativamente ao texto do referido acórdão, também é
preciso analisar a perspetiva por parte do marido, que não pode ser culpado das
ilações, que a referida decisão judicial retira da sua vida conjugal, partindo
do princípio, que o mesmo não é um ser independente, capaz de se prover de
forma autónoma.
Eventualmente, poderá ser um marido capaz de partilhar as atividades
domésticas com a sua mulher, ainda mais pelo facto da mesma se encontrar parcialmente
incapacitada.
É urgente alterar essa mentalidade e adaptá-la às novas
realidades.
Já muito se tem feito com esse objectivo, nomeadamente em associações
como a UMAR, que se desdobram em iniciativas com essa finalidade, sobretudo
junto dos mais jovens, com ações de sensibilização nas escolas, com temáticas
como a igualdade de género e a violência no namoro, iniciativas essas que será
premente manter e incentivar.
Publicado na Página IGUALDADE XXI no jornal Diário Insular
de 21 de Setembro de 2017
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