quarta-feira, 27 de outubro de 2010

CASAMENTO PARA TOD@S...


Durante o último ano, assistimos a uma alteração muito importante na legislação portuguesa. De facto, até há poucos meses, o casamento apenas era permitido entre pessoas de sexo diferente, o que impossibilitava aos casais de gays e lésbicas poderem contrair matrimónio. Com a Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio, esta situação inverteu-se e já é possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A Constituição da República Portuguesa, no artigo 13.º, n.º 1, refere que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Já o n.º 2 do mesmo artigo menciona que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. É verdade que a última parte deste número, referente à orientação sexual, só foi introduzida com a alteração constitucional de 2004, mas mesmo assim foram precisos vários anos para que se reconhecesse a possibilidade de pessoas do mesmo sexo poderem casar-se e assim “constituir família mediante uma plena comunhão de vida” (artigo 1577.º do Código Civil).
Na verdade, até ao presente ano apenas se admitia a possibilidade de gays e lésbicas viverem em união de facto, com os privilégios legais que a tal regime estão cometidos. No entanto, os direitos provenientes do casamento e que não podem ser adquiridos por nenhum outro tipo de contrato, como é exemplo a possibilidade de se ser herdeiro, estavam vedados aos gays e lésbicas, o que originava situações de casais que viviam em união de facto há inúmeros anos, partilhando verdadeiramente a sua vida, e que, aquando do falecimento de um dos membros do casal, o outro via-se com acesso interdito ao património do parceiro/a (só sendo possível a elaboração de testamento a favor do parceiro/a, mas como as limitações impostas pela nossa lei, que prevê a obrigatoriedade de uma parcela de bens serem atribuídos, em caso de morte, a certas pessoas: o cônjuge, os descendentes e os ascendentes).
Sendo Portugal um estado laico e estando previsto o casamento civil, em contraposição ao casamento católico, não fazia sentido que fosse o mesmo vedado aos casais de gays e lésbicas, pois a sua definição (de casamento) é ser um contrato celebrado entre duas pessoas, no qual as partes assumem determinados direitos e obrigações. Não havia uma justificação para que esse contrato tivesse de ser celebrado entre pessoas de sexo diferente, o que foi agora aceite e demonstrado (na verdade, quando perante a religião, como é a católica, percebemos, sem contudo concordarmos, que adstrito à noção de casamento esteja a de procriação, mas tal não pode ser motivo para o acesso ou não ao casamento civil). A sociedade evoluiu e, com ela, a concepção sobre determinadas institutos. É o caso do conceito de família que, até há alguns anos incluía um pai, uma mãe e filhos, e que, agora, pode incluir apenas um pai ou uma mãe, como dois pais ou duas mães. Assim, e porque associado ao conceito de família está o de casamento, este também tem de agrupar as diferenças existentes na nossa sociedade.
Além disso, socialmente o casamento é mais do que um contrato, sendo o reconhecimento de que uma pessoa escolheu outra para partilhar a sua vida. Não interessa qual o sexo da pessoa que se escolhe, o que interessa é ser-se um casal e poder-se demonstrá-lo perante todos, sem qualquer tipo de vergonha ou medo.
Assim, consideramos que o nosso legislador deu mais um passo na direcção de uma sociedade justa e igualitária, tentando-se que a sociedade portuguesa seja um lugar onde a discriminação seja apenas mais uma palavra no dicionário e não uma constante na vida das pessoas. Na realidade, algo que possa parecer com importância diminuta, para todos aqueles que até agora já podiam casar com aquela pessoa que escolheram para partilhar a vida e poder dizer com orgulho “este é o meu marido” ou “esta é a minha mulher”, é de especial relevância para quem não tinha esse direito.

Bárbara Guimarães (Jurista da Delegação da UMAR Açores na Ilha Terceira)

Publicado na página IGUALDADE XXI do Jornal Diário Insular de 27 de Outubro de 2010

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