sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

As diferenças de género na ocupação do tempo

Fotografia: www.gettyimages.pt

As diferenças de Género na Ocupação do tempo em casais profissionalmente activos, residentes em Angra do Heroísmo é o título de um trabalho de investigação desenvolvido pela UMAR Açores, delegação da Ilha Terceira, no âmbito do CIPA – Centro de Informação Promoção e Acompanhamento de Políticas de Igualdade.
O universo deste estudo foi constituído por indivíduos profissionalmente activos, casados ou que viviam em união de facto e residentes nas cinco freguesias que fazem parte da cidade de Angra do Heroísmo: São Pedro; Santa Luzia; Sé; Conceição e São Bento. Constituíram a amostra 2,5% do universo seleccionado (166 inquirido/as – 83 casais), valor considerado representativo quando comparado com estudos semelhantes.
Através da análise aos inquéritos realizados, constatou-se que o crescimento da expressão feminina no mercado de trabalho minorou o problema da dependência financeira relativamente aos homens, no entanto, introduziu ou agravou um outro conjunto de problemas que se prendem com a gestão do tempo, num quotidiano repartido entre tarefas e responsabilidades profissionais, domésticas, familiares, que constituem uma múltipla jornada de trabalho
Da análise à ocupação do tempo, no seio da família e numa perspectiva de género, constatou-se a crescente visibilidade dos modos diferenciais como homens e mulheres afectam os seus tempos às múltiplas esferas da vida em sociedade. Surge, de facto, plenamente evidenciada uma significativa diferença entre os padrões de ocupação do tempo (muito particularmente quanto ao tempo afecto ao trabalho doméstico) entre mulheres e homens, independentemente do estatuto profissional da mulher.
Os elementos disponíveis sobre os padrões de afectação do tempo de mulheres e homens permitem, para além da caracterização da situação actual, identificar alguns elementos de tendência. A este nível, parecem configurar-se indícios de mudança de sinal positivo, tanto ao nível das representações como das práticas, no sentido de uma maior repartição de tarefas e consequente melhor organização de tempos individuais.
Esta é uma tendência que se começa a evidenciar, ainda que de forma mais ou menos ténue e imprecisa, ao nível do trabalho doméstico (sobretudo em alguns tipos específicos de tarefas e entre determinadas categorias da população). Há, naturalmente, que ter em conta que o trabalho doméstico é também, uma realidade em transformação e que a própria atitude em relação a ele se tem vindo a alterar. No entanto, e apesar da influência tecnológica crescente nas actividades domésticas, não parece existir evidência empírica quanto ao trabalho doméstico ser uma actividade em declínio acelerado.
Apesar de se advogar a igualdade, continuamos a assistir na prática, ao desenvolvimento de expectativas diferenciadas relativamente a homens e a mulheres. Delas se espera, que mesmo trabalhando no exterior, se ocupem fundamentalmente da casa e dos cuidados com os filhos, enquanto se considera natural que os homens obtenham melhores salários, para os mesmos níveis de instrução e não se tem expectativa do seu grande empenhamento na família. De resto, é fácil perceber estas assimetrias se se conjugar a equação entre família e trabalho no masculino. Ninguém tende a confrontar um homem impondo-lhe directa ou indirectamente a opção entre trabalho e família, sabendo-se que o desejo de continuidade e de ter filhos está presente na larga maioria dos homens, tanto quanto nas mulheres.
Embora não possam ser ignoradas mudanças de atitude e até de práticas nas gerações mais novas, tanto de mulheres como de homens, a verdade é que, por um lado, por vezes as mensagens são contraditórias e, por outro, não é raro que à vontade de maior participação na família se imponham exigências de empenhamento profissional que deixam pouca margem de manobra aos indivíduos.
O que resulta destas circunstâncias concretas e destes sistemas de expectativas fica patente através do estudo e remete para uma sobrecarga de trabalho no feminino. E se ao cansaço e trabalho excessivo se acrescenta também, no caso das mulheres, “culpabilidade”, como se constatou através dos comentários efectuados no final dos questionários, esta associação surge de igual modo no masculino e parece nítida quando são os homens a considerar que o/as filho/as merecem mais atenção do que aquela que lhes dão.
Assim sendo, embora – ou talvez porque – as mulheres ainda assumem mais as responsabilidades pela casa e pelos filhos, o alargamento da questão da conciliação entre trabalho e vida familiar ao problema da igualdade enraíza-se igualmente na discussão do papel dos homens enquanto pais. Esta discussão tem-se tornado cada vez mais comum em Portugal.
Muito embora lentamente, verifica-se um processo de mudança relativamente à partilha das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, havendo a tendência para os homens participarem mais nestas actividades.
A experiência de outros países, designadamente escandinavos, mostra que pode haver modalidades de repartição entre trabalho e família mais equilibradas quando se tem subjacente uma lógica em que surgem articulados três tipos de direitos: os direitos das mulheres ao trabalho e à família, os direitos dos homens ao trabalho e à família e os direitos das crianças como responsabilidade que deve implicar os pais e toda a sociedade. Perspectivas deste tipo permitem outra conclusão: em Portugal, as políticas de igualdade entre homens e mulheres podem ser melhores amigas da família.

Miguel Pinheiro

Publicado no Jornal Diário Insular - IGUALDADE XXI - de 29 de Janeiro de 2010

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